Gilberto R . Cunha
O desenvolvimento econômico não pode ser buscado a qualquer custo. Especialmente, às expensas da degradação do ambiente e com riscos para a saúde humana. Esta última assertiva, possivelmente, serviu de base para o surgimento, no começo dos anos 1970, de um princípio de direito germânico, que se transformaria em ícone dos ambientalistas e em desafeto número um dos tecnocratas: o “Princípio da Precaução”.
Afinal, que é esse princípio? Quais as suas bases epistemológicas? Muitos o invocam e outros o execram, aparentemente, sem um maior conhecimento de causa.
O Princípio da Precaução é um instrumento jurídico que regula a adoção de medidas de proteção ao ambiente (na sua forma mais ampla, englobando também os seres humanos), em casos que envolvem ausência de certeza científica e ameaças de danos sérios ou irreversíveis.
No ordenamento jurídico brasileiro, esse princípio encontra-se positivado em pelo menos três diplomas:
(1) na Declaração do Rio de Janeiro de 1992,
(2) na Convenção sobre Diversidade Biológica e
(3) na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
No texto da Rio 92 (Convenção das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992): “… onde houver ameaça e dano sério ou irreversível, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como uma razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”
Ou no preâmbulo da Convenção sobre Diversidade Biológica: “…quando existe ameaça de sensível redução ou perda de diversidade biológica, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar medidas para evitar ou minimizar essa ameaça.”
E no artigo 3º da Convenção Quadro: “Princípios – 3. As partes devem adotar medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima e mitigar seus efeitos negativos. Quando surgirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar essas medidas, levando em conta que as políticas e medidas adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em função dos custos, de modo a assegurar benefícios mundiais ao menor custo possível”.
Pelo exposto, depreende-se que o Princípio da Precaução deveria ser aplicado em situações de ameaça de danos (quando há certeza de danos deveria ser usado o Princípio da Prevenção), não podendo a falta de certeza científica justificar a postergação de medidas. E quando houver certeza de que não há dano ou ameaça de dano, não se aplicam nem prevenção nem precaução.
Aparentemente algo lógico e simples, não fosse pelas controvertidas e diferentes interpretações dos elementos que compõem esse princípio. Começando com a dita “certeza científica”. Embora todo conhecimento cientificamente embasado seja, a priori, melhor que qualquer outro, pairam dúvidas sobre a existência dessa tal “certeza científica”; particularmente nas ciências empíricas (experimentais), que é o caso da agricultura, cujas conclusões baseadas em inferências serão sempre acompanhadas por um certo grau de incerteza.
Ainda, tem-se a eterna discussão sobre a aceitação, pela jurisprudência e com base em princípios doutrinários, de inversão do ônus da prova. Com isso, por um predomínio de visões pessimistas, tem sido admitido o “culpado até provar que é inocente” em vez do “inocente até que se prove a culpa”, popularmente falando.
Além de que, a aplicação do Princípio da Precaução deveria ser efetivada pela realização de estudo prévio de impacto ambiental (e aí começa uma outra discussão sobre aspectos metodológicos e diferenciação entre análise e gestão de riscos). E sem considerar que, no caso de riscos, leigos e cientistas podem diferir radicalmente na interpretação da literatura científica (a exemplo de artigos que saem em revistas tipo Nature e Science, que abrangem os dois tipos de leitor).
Versão internacional
Internacionalmente, a versão mais difundida do Princípio da Precaução é a que consta na declaração de Wingspread (Wisconsin/USA, 1998), criada por consenso em reunião com cientistas, legisladores, advogados e ambientalistas: “Quando uma atividade gera ameaças de dano à saúde humana ou ao meio ambiente, medidas de precaução devem ser tomadas mesmo se algumas relações de causa e efeito não são completamente estabelecidas cientificamente.
Nesse contexto, o proponente de uma atividade, mais do que o público, deve ter o ônus da prova”.
Autor
Gilberto R. Cunha é Chefe-Geral da Embrapa Trigo, Bolsista do CNPq e membro da Academia Passo-Fundense de Letras
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