Desenvolvimento: O preço de não cobrar pela água

Frances Suseki

Bangcoc, 17/02/2006 – O tailandês Apichart Anukularmphai preferiria conceder ao Vietnã o título de “campeão mundial em exportações de arroz” em lugar de dar ao seu país, pois a Tailândia presenteia sua água cada vez que vende esse cereal. “Só para produzir 10 toneladas de arroz os agricultores tailandeses necessitam de três mil metros cúbicos de água”, explicou o presidente do comitê técnico para o sudeste asiático da Global Water Partnership (Associação Global da Água), que reúne as agências multilaterais e governamentais, companhias e instituições que trabalham na administração dos recursos hídricos. “O custo da água não é considerado quando exportamos nosso arroz”, afirmou.

A Tailândia, um dos principais exportadores mundiais desse produto, vendeu 8,5 milhões de toneladas no ano passado.

Colocar um preço na água é uma medida controvertida em muitos lugares do mundo, mas particularmente na Ásia, um continente cada vez mais sedento onde não só os agricultores, mas também as famílias e inclusive as corporações multinacionais mais duras a consideram um recurso gratuito.

Os agricultores consideram a água uma matéria-prima gratuita e cerca de 70% de toda água doce no mundo inteiro são utilizados para a agricultura. Muitos usuários residenciais em toda a Ásia também acreditam que a água, por ser um recurso nacional, deveria ser gratuita.

“Se a água é grátis, então se converte em subsídio, que na realidade é uma questão para a Organização Mundial do Comércio”, disse Ramon Alikpala, diretor-executivo da agência filipina conselho Nacional de Recursos Hídricos, com sede em Manila. “As pessoas dão como certo ter água. Então, quando uma tubulação apresenta vazamento ninguém se sente responsável por consertá-la”, acrescentou.

Pedir aos agricultores que paguem pela água que usam é mais difícil. “É politicamente impossível de implementar”, disse Apichart. “A maioria das pessoas acredita que a água é um direito natural. Nenhum político sequer menciona isso, porque seria um suicídio”.

O desafio está em encontrar o preço justo para a água não-tratada, disse Alikpala. “Se o preço for muito baixo, então será inútil. Se for muito alto, haverá indignação em massa”, acrescentou. Alikpala acredita que as próprias empresas do setor deveriam pagar pelo recurso que extraem e não repassar o custo aos seus clientes. “Os usuários só deveriam pagar pelos serviços das empresas, tais como tratamento e distribuição”. Entretanto, qualquer companhia, pública ou privada, precisa ter um sistema de administração muito eficiente para assegurar a máxima cobertura e acesso à água.

A prova de que a distribuição pode ser administrada por uma empresa pública está no exemplo da Autoridade de Fornecimento de Água de Phnom Penh, que por 10 anos passou por várias reformas. Deixou de ser um órgão endividado, sem manutenção e dependente dos subsídios do governo, para se converter em uma empresa de abastecimento de água socialmente responsável e altamente eficiente que se orgulha de fornecer uma cobertura de 95%, bem como de ter 100% de suas ligações e um serviço de 24 horas.

“Mudamos nossa política do subsídio governamental por uma recuperação plena de custos. Naturalmente, também tivemos que alterar muito a atitude dos habitantes de Phnom Penh para que realmente estivessem dispostos a pagar pela água”, disse Chea Visoth, gerente-geral da empresa. “Mas ninguém se queixa, porque os preços da água agora são entre cinco e 10 vezes menores do que antes”, acrescentou. A empresa utilizou efetivamente os meios de comunicação para transmitir sua mensagem a 1,3 milhão de moradores da capital cambojana. “Explicamos a eles o motivo de pagaram por água limpa, segura e potável”, disse. Visoth afirmou que os meios de comunicação também foram úteis para convencer os “delinqüentes” a pagarem suas contas. “Simplesmente dissemos a eles: ou pagam sua conta ou verão seus rostos na televisão”.

A participação privada na distribuição da água teve grande sucesso em lugares como Manila, onde a empresa Manila Water cuida da parte do fornecimento na capital filipina, bem como do esgoto, salubridade e serviços ao cliente. “Depois de uma reabilitação maciça, temos 35,4% de perda de água, o que é comparável a outras cidades asiáticas”, disse Sherisa Nuesa, encarregada de finanças da companhia. “Temos uma política sobre uso de informação privilegiada e regras firmes. Também mantemos audiências públicas e usamos a arbitragem para resolver disputas”. Ian Fox, do Banco de Desenvolvimento Asiático, com sede em Manila, afirmou que as chamadas soluções hídricas, na realidade, apresentam uma série de novos problemas. “Quando alguém toca em algo da natureza, verifica que está adjunta ao resto do mundo”, afirmou.

Este artigo foi escrito para a Asia Water Wire (Envolverde/ IPS)

E o uso industrial?

Em dezembro de 2003, um tribunal do Estado indiano de Kerala ordenou à engarrafadora da Coca-Cola na aldeia de Plachimada que parasse de extrair água, depois das queixas de que na região havia poços que estavam secando.

A fábrica da maior multinacional instalada na Índia está fechada desde então. Agora, o assunto corre na Suprema corte desse país.

Os ativistas afirmam que a Coca-Cola não faz mais do que acrescentar colorante, açúcar, sabor e gás na água que extrai gratuitamente, e vendendo-a por preços elevados com base na força de sua marca.

Mudança cultural

Os participantes de uma oficina para jornalistas sobre a água em Bangcoc, no começo deste mês, concordaram que para quem pode pagar não importa como se faz para que a água chegue limpa às suas casas, mas nenhum político se atreve a sugerir que até a água não-tratada deveria ter um preço.

Ganesh Pangare, presidente do World Water Institute (Instituto Mundial da Água) na Índia, acredita em um meio termo. “Concordo que os agricultores deveriam pagar pela irrigação, mas é preciso lembrar que, definitivamente, é a água que determina se o produtor pode obter um lucro ou alimentar-se”, afirmou no encontro com jornalistas, acrescentando que, “se querem obter mais produção por gota, os agricultores deveriam ser os primeiros”.

Na Ásia 80% dos alimentos são produzidos em 40% da terra cultivada que tem irrigação.

Pangare também concordou quanto à necessidade de uma forte vontade política para realizar reformas no manejo da água. “As pessoas devem deixar de pensar que o governo deve se encarregar do problema, e de acreditar nos políticos que prometem água gratuita para todos”, afirmou.

Para este especialista, “prometer água gratuita não significa, na realidade, que o político está obrigado a cumprir essa promessa. Se a água já é vista como algo gratuito, então, qual o sentido da promessa?”, perguntou. “Acaso não podemos, pelo menos, cobrar dos usuários tarifas a título de operação e administração da água?”.

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