
Depois de esperarem mais de seis meses após a conclusão dos debates sobre uma Lei para o saneamento e sem vislumbrarem a perspectiva do Governo Federal implantar uma política nacional para o setor, os secretários estaduais de Saneamento, pelo seu Fórum Nacional, encaminharam ao Senado, através do senador Gerson Camata (PMDB/ES), um projeto de lei definindo diretrizes gerais para uma Política Nacional de Saneamento. Desenvolvido para ser o marco regulatório para os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, o documento aproveitou as contribuições de um ano de debates envolvendo a União, os Estados e entidades do setor.
Para caracterizar a importância do projeto, o senador Camata, acompanhado de diversos secretários estaduais de Saneamento e dirigentes de estatais do setor, fez pessoalmente a entrega do documento ao presidente do Senado, senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Na entrega do documento, Camata confidenciou que se surpreendeu com a qualidade técnica do projeto. “Pensei que receberia um texto de caráter corporativista mas percebi que se trata de um projeto objetivo, constitucional e que define perfeitamente o que cada parte (concedente e concessionário) pode e vai fazer”, declarou.
O presidente do Senado disse que o assunto chega em boa hora, pois o Brasil está precisando muito desta regulamentação. Calheiros afirmou que a falta de regras claras é o principal fator de insegurança para o atendimento das prioridades nacionais, como é o caso do saneamento básico. Dizendo-se convencido de que o assunto merece ter uma rápida tramitação, Renan Calheiros se ofereceu para coletar pessoalmente as assinaturas dos líderes partidários.
Frederico Antunes, presidente do Fórum e secretário de Obras Públicas e Saneamento do Rio Grande do Sul (SOPS), que coordenou a elaboração do projeto, disse que o importante “é sair da fase da retórica e entrar na fase da objetividade, onde saneamento seja realmente tratado como uma questão de saúde pública”.
O presidente da Associação das Empresas de Saneamento Estaduais (AESBE), Vítor Bertini, revelou estar esperançoso de que com a definição das diretrizes para o saneamento a União passe a tratar o assunto como prioridade nacional. Segundo ele, para ser considerado prioridade o setor precisa estar valorização no orçamento da União. E informou que em 2004 o Governo Federal arrecadou R$ 950 milhões em tributos federais na área de saneamento e que, em contrapartida investiu apenas R$ 400 milhões. “Isto significa que uma área carente como a do saneamento está servindo como um dos grandes investidores líquidos da União”, afirmou.
Participaram do ato de entrega do projeto, além de Frederico Antunes, Vítor Bertini e Gerson Camata, também os senadores Pedro Simon (PMDB-RS), César Borges (PFL-BA), Romeu Tuma (PFL-SP) e Sérgio Zambiazi (PTB-RS), além de secretários e dirigentes de estatais de 14 estados brasileiros.
Como fica a titularidade?

A definição da titularidade – responsabilidade pela prestação dos serviços – segundo os formuladores da proposta “é matéria exclusiva da Constituição Federal onde são definidas quais são as responsabilidades dos entes federados”. Assim, o Projeto de Lei não define quem é o titular dos serviços, posto ser esta uma definição constitucional. Se a lei federal definisse este tema, seria ela mesma sujeita a questionamentos judiciais quanto à sua constitucionalidade. O projeto define diretrizes para o exercício da titularidade pelos entes federados competentes ( arts. 4º e 5º). Controle social
O entendimento que orientou a elaboração do PL é que o controle social sobre as ações do Estado é um princípio constitucional. A Constituição estabelece que o acesso a informações da gestão pública é um direito individual e coletivo (CF art. 5º, XXXIII), e que lei de cada ente federado definirá as formas de participação dos usuários na administração pública (CF art. 37, § 3º).
O controle social é um dos princípios fundamentais do Projeto de Lei (art. 2º, VIII). O titular dos serviços passa a ser obrigado a criar mecanismos de controle social no estabelecimento de sua política de saneamento, como parte dos direitos dos usuários (art. 5º, IV).
Outras legislações já estabelecem obrigações relacionadas ao controle social, como a legislação de concessões, que prevê a criação de comitês de fiscalização e acompanhamento da prestação dos serviços com a participação dos usuários (Lei 8987/1995, artigos 3º e 30). Da mesma forma ocorre com relação ao código de defesa do consumidor (Lei 8078/1990, art. 6º, III) e à lei de promoção da saúde (Lei 8080/1990, art. 7º, V e VIII).
A opinião das entidades
Opinião do coordenador da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental, Silvano Silvério da Costa, que também é presidente da ASSEMAE sobre o Projeto de Lei apresentado pelo Senador Gérson Camata que busca estabelecer diretrizes nacionais para o saneamento:
“Trata-se de uma surpresa. O seu teor não foi discutido com a sociedade. A apresentação de uma nova matéria atende somente ao interesse das companhias estaduais de saneamento e não à meta de universalizar o atendimento sanitário”.
Segundo Silvano a Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental está lançando um manifesto que reivindica que o Governo Federal envie imediatamente o Projeto de Lei da Política Nacional de Saneamento Ambiental ao Congresso. Ele justifica que o anteprojeto foi largamente discutido com a sociedade brasileira e informa que a adesão ao manifesto pode ser feita no portal do Idec -Instituto de Defesa do Consumidor, entidade que também integra a Frente.
ABES
O presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), José Aurélio Boranga, considera que a proposta apresentada no Senado tem avanços “mas ainda pode ser aperfeiçoada”. Em sua opinião o PLS tem um inegável peso político pois representa o consenso dos Estados e essa é uma parcela importantíssima da sociedade.
“A ABES sempre defendeu um pacto entre todos os segmentos do saneamento para que possamos ter um regramento institucional. Se houver guerra, quem sai perdendo é o povo brasileiro” diz Boranga.
Ele considera que o papel do Congresso vai ser decisivo na construção de uma lei que incorpore as contribuições desse projeto e dos pontos aprovados nas audiências públicas que analisaram a proposta do governo federal. “Há empenho da Secretaria Nacional de Saneamento em depurar a proposta original, o que consideramos positivo. Certamente novos debates se seguirão no Congresso Nacional e acreditamos que ao final se poderá chegar a um consenso que beneficie o país”.
Boranga destaca também que o setor precisa pressionar em conjunto pela mudança das regras de endividamento dos Estados e municípios que beneficie o setor de saneamento. “Tem que haver uma excepcionalidade para essa área ou não adianta disponibilizar R$ 5 bilhões por ano que ninguém terá condições de tomar esses empréstimos. Nem mesmo as companhias de saneamento ou serviços municípios mais saudáveis”.
ABCON
O presidente da Associação Brasileira de Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON), Mario Amaro, considera positiva a apresentação de uma nova proposta para a regulação do saneamento. “Tudo que servir para contribuir à agilização do debate deste tema é bem-vindo”, disse informando que a entidade ainda está avaliando os principais pontos da proposta apresentada pelo senador Gerson Camata.
O dirigente da ABCON espera que o governo federal encaminhe também a proposta que vinha sendo debatida e que contemple as sugestões apresentadas pelas entidades do setor. Do debate entre as proposições ele espera que saia finalmente uma regulação, medida que classifica como urgente.
Novas fontes de recursos

Ao estabelecer que o saneamento básico deve ser articulado com as políticas de desenvolvimento urbano e habitação, de combate à pobreza, de proteção ambiental, de promoção da saúde (PL art. 2º, IV), o projeto torna possível realizar investimentos em saneamento utilizando fontes de financiamento já existentes relacionadas àquelas políticas (PL art. 25, parágrafo único), em todos os níveis de governo.
A aprovação deste PL, prevêem as lideranças do setor, vai permitir que sejam alavancadas as parcerias público-privadas em saneamento básico. Os contratos de parceria requerem clareza das obrigações das partes – direitos, obrigações, metas e garantias. O PL cria regras claras necessárias ao bom desenvolvimento de contratos.
Na justificativa para apresentação desta proposta está o fato de que entidades técnicas e representativas do setor, como a ABES e a AESBE, entidades municipalistas, como a CNM, entidades dos estados, como o Fórum de Secretários, entidades do setor privado, como a ABDIB, entidades sindicais, entre muitas outras, manifestaram-se claramente contra a proposta apresentada pelo Governo Federal e debatida em 2004. Havia um sentimento de que ela não criaria um modelo sustentável para o setor e, no sentido contrário, desestruturaria o que hoje funciona, sem colocar algo sólido em seu lugar e sem atrair as parcerias que o setor precisa para alcançar a universalização, sejam público-público ou público-privadas.
“Era preciso construir uma proposta baseada em alguns elementos fundamentais: respeito aos mandamentos constitucionais e ao pacto federativo; legitimidade social, política e setorial; objetividade, simplicidade e clareza das regras. Há estrita observância dos mandamentos constitucionais, o texto se limita a definir diretrizes gerais”, descreve o documento de justificativa.
O texto é resultado das reflexões e dos trabalhos dos Governos Estaduais, por meio do Fórum de Secretários. E também recebeu contribuições de outras entidades, como a AESBE, que reúne as empresas estaduais, responsáveis por 75% dos serviços no país, e de técnicos e juristas especializados.
No plenário
Em manifestação ao plenário o senador Gerson Camata (PMDB-ES) anunciou a apresentação do projeto de lei que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico. Ele lembrou que o governo federal tenta apresentar há mais de um ano projeto sobre o assunto, mas não conseguiu consenso. “O projeto regula de forma clara as atribuições do governo federal, dos estados e dos municípios. Estipula as metas de atendimento à população, as punições e a defesa do consumidor. O objetivo é a cooperação entre municípios, estados e União para a prestação dos serviços de saneamento” – informou o parlamentar.
Ele lamentou que a demora do governo federal esteja levando a “situações inaceitáveis”. E citou um exemplo: as empresas de saneamento recolheram de PIS e Cofins no ano passado cerca de R$ 960 milhões, mas as aplicações do governo federal na área mal passaram de R$ 400 milhões. Neste ano, as companhias já recolheram, segundo informou o senador, R$ 1 bilhão, mas até agora o governo federal não empenhou “nenhum centavo” para gastar em saneamento.
Durante o discurso de Camata no Plenário, o senador César Borges afirmou, em aparte, que a proposta do governo federal “tem um viés ideológico” e “desestrutura” o sistema já existente.
Na avaliação do Fórum de Secretários de Saneamento o projeto não interfere na autonomia dos Municípios e dos Estados, responsáveis diretos pelo prestação dos serviços. Ele estabelece o que deve ser feito, mas não como deve ser feito o planejamento e a prestação dos serviços, atribuições que são competência exclusiva dos Estados e Municípios.

O projeto
O texto do projeto encampado pelo Senado é sucinto (são 29 artigos divididos em seis capítulos) e está centrado no estabelecimento de marcos técnicos, econômicos e sociais para regulação dos serviços, independentemente de quem seja o prestador – público ou privado, municipal ou estadual.
O documento estabelece, ainda, que os subsídios hoje existentes serão mantidos e que será permitida a utilização dos recursos dos diversos fundos existentes, como os de combate e erradicação da pobreza, de desenvolvimento regional e de saúde, especialmente para o atendimento das demandas da população mais carente.
Outro item importante da proposta é a obrigatoriedade de efetuar as ligações das residências às redes de esgotamento sanitário. A falta dessa obrigatoriedade tem sido um entrave à expansão de serviço vital para a manutenção de bons índices de salubridade ambiental.
Veja a íntegra da proposta na editoria de Legislação.
A concessão dos serviços
O Projeto de Lei também não faz qualquer distinção entre prestadores de serviços, as regras são as mesmas para empresas concessionárias e para autarquias e departamentos. Ou seja: não importa quem seja o prestador do serviço – o que importa é que o serviço seja corretamente prestado.
Se o titular não quiser prestar diretamente o serviço poderá utilizar a modalidade de concessão: se for uma concessão plena, serão aplicadas cumulativamente as leis de licitações e de concessões; se for uma parceria público-privada, além daquelas leis, valem as normas específicas da lei de parcerias público-privadas; se for um contrato de programa entre um município e uma empresa estadual, por exemplo, fica dispensada a licitação, mas serão aplicadas as normas das leis de concessões e de consórcios públicos. A decisão por uma eventual concessão, e pela modalidade aplicada, é exclusiva do poder concedente.
A regulação e fiscalização dos serviços serão aplicadas a todos os prestadores de serviços, sejam eles públicos ou privados. Há a obrigação do estabelecimento de entidade reguladora, dotada de autonomia administrativa e financeira e independência decisória, capacidade técnica e transparência de procedimentos.
Eficiência dos serviços
Pelo conjunto das normas relacionadas à regulação dos serviços, especialmente as obrigações de cumprimento de metas de expansão, padrões de qualidade, índices de eficiência, com as tarifas limitadas busca-se a eficiência dos serviços.
O prestador deverá cumprir todas as normas (PLS capítulo IV – da regulação) e o planejamento (PLS art. 6º, §4º) dos serviços, dentro dos limites de preços ou tarifas estabelecidos no contrato e nas demais normas regulamentares. O descumprimento das normas ensejará o estabelecimento das sanções aplicáveis na legislação de concessões, inclusive a extinção do contrato de concessão, de parceria ou de programa.
Assim, a regulação se torna o principal instrumento de indução à eficiência em serviços prestados em regime de monopólio, como o saneamento básico. Por isso o PL tem o seu centro no tratamento deste tema.


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