Lampejos que cegam

Contemplando o espaço desde a cápsula, os astronautas da nave Apolo foram testemunhas de um espetáculo que os seres humanos nunca tinham visto antes. Eles puderam apreciar a assombrosa imagem do disco azul brilhante da Terra em contraste com o negro absoluto do espaço. Viram o outro lado da Lua mas também estranhos lampejos de luz dentro de seus globos oculares!

Desde então, os astronautas a bordo do Skylab, do Transbordador, da Mir e da Estação Espacial Internacional vêm registrando que viram estes lampejos. O que os astronautas estão experimentando é a radiação espacial que penetra rapidamente em seus olhos como se fosse uma bala subatômica. Quando uma “bala” se choca contra a retina, dispara um falso sinal, que o cérebro interpreta como se fosse um lampejo de luz.

Não é necessário frisar que isto não é bom para os olhos. Anos depois de regressar a Terra, muitos destes astronautas desenvolvem catarata — que ocorre quando o cristalino, que transmite a luz para a retina, fica embaçado.

“Para que a visão seja correta, o cristalino do olho deve ser transparente”, disse Blakely. O cristalino, que tem a forma de um caramelo M&M, está alojado na cavidade ocular e enquadra a luz que ingressa na retina. “No centro do cristalino se encontram células transparentes denominadas ‘células fibrosas’. O dano ao cristalino pode tornar opacas as células fibrosas e a esta mudança na claridade da visão se chama catarata”.

Segundo um estudo realizado no ano 2001 por Francis Cucinotta, do Centro Espacial Johnson da NASA, pelo menos 39 ex-astronautas sofreram alguma forma de cataratas depois de terem estado no espaço. Destes 39 astronautas, 36 tinham voado em missões expostas a uma radiação elevada, tais como a descida da nave Apolo sobre a Lua. Alguns astronautas experimentaram cataratas 4 ou 5 anos após terem realizado a missão, em outros a manifestação da doença apareceu 10 ou anos depois.

Há bastante tempo, os cientistas sabem da existência deste vínculo entre a radiação e as cataratas, mas nunca o entenderam perfeitamente. O que é exatamente o que faz a radiação ao cristalino do olho para que este se cubra com um véu? Estão envolvidos os genes dos astronautas? De que genes se trata?

A resolução deste quebra-cabeça poderia agudar as pessoas na Terra. Sem terem viajado jamais ao espaço, mais da metade das pessoas maiores de 65 anos têm cataratas; o cristalino embaçado parece ser o resultado natural do processo de envelhecimento. Estas cataratas relacionadas com a idade avançada, algumas delas, se parecem às cataratas desenvolvidas pelos astronautas. Se os pesquisadores puderem descobrir que o que está acontecendo dentro dos olhos dos astronautas, poderiam desenvolver medicamentos para deter o processo.

Para isto são necessários alguns passos, O primeiro, “temos que entender os detalhes — os genes e as trajetórias das proteínas e das moléculas que estão envolvidas”, afirma Eleanor Blakely, uma cientista do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley. Respaldada por um subsídio outorgado pela NASA para o estudo destes detalhes, ela e seus colegas estão fazendo experiências com um tecido ocular humano.

Qual o efeito da radiação?

A detecção precoce das cataratas é o objetivo de Rafat Ansari, um físico do Centro de Pesquisas Glenn, da NASA, que trabalha de forma independente de Blakely. Ansari desenvolveu uma sonda laser que pode detectar sinais de cataratas nos seres humanos anos antes que estes se tornem visíveis. Agora esta sonda está sendo experimentada clinicamente no Instituto Nacional do Olho. Com o tempo, os astronautas poderiam levar esta sonda nas missões espaciais, o que lhes permitiria controlar seus olhos enquanto viajam.

Outra equipe de pesquisadores, liderada por Leo Chylack, Jr., licenciado em Medicina, do Centro para Pesquisas Oftalmológicas no Brigham and Women’s Hospital, de Boston, está comparando as cataratas em astronautas, pilotos de provas e membros da tripulação em terra, no Centro Espacial Johnson.

Eles tiraram fotografias estereoscópicas dos cristalinos destes especialistas com o propósito de investigar as diferenças na classe de cataratas que manifestam estas pessoas – outra peça do quebra-cabeça.

Enquanto isto, Blakely está regressando ao laboratório para aprender mais a cerca dos fundamentos moleculares relacionados com o tema.

“Ainda estamos estabelecendo os vínculos que existem entre as mudanças no FGF-2 y [os outros genes]”, revela. Além disso, há outros interrogantes. Por exemplo, as cataratas geralmente se desenvolvem de maneira lenta, mas será que grandes doses repentinas de radiação poderiam acelerar o processo? Os astronautas que empreenderão uma viagem de 6 meses a Marte desejarão saber a resposta.

Recentemente, o grupo de Blakely obteve a prorrogação, por quatro anos, do subsídio para pesquisas outorgado pela NASA.

Fábrica de células

No olho são de um ser humano, constantemente são “fabricadas” células fibrosas novas para substituir as velhas. O processo começa com as “células epiteliais”, que são uma classe de célula-tronco que recobre a frente do cristalino. Quando é necessário, as células epiteliais se aplainam e eliminam seus núcleos e outras estruturas internas para converterem-se em células fibrosas transparentes. É uma metamorfose assombrosa. “Durante as etapas finais”, disse Blakely, “todas as partes da célula são descartadas em um processo cuidadosamente orquestrado que deixa viva a célula, mas que forma basicamente uma bolsa de proteínas do cristalino”.

O grupo de Blakely tem demonstrado que uma dose de radiação pode alterar a metamorfose das células epiteliais, interferindo com a formação de novas células fibrosas que compõem o corpo do cristalino.

Para compreender este mecanismo eles cultivaram células epiteliais humanas. Devido o fato de que algumas das células estavam começando a se converter em células fibrosas, a equipe de Blakely expôs as células a doses controladas de radiação. Este trabalho foi realizado no LBNL e no Laboratório de Radiação Espacial da NASA, no Laboratório Nacional Brookhaven, em Long Island, Nova York. Logo após, estes cientistas utilizaram modernas ferramentas de genética com o propósito de descobrir como os genes e as proteínas das células respondiam.

Este grupo de pesquisadores descobriu que um gene em particular, o Factor 2 de Crescimento Fibroblástico (FGF-2, em inglês), realiza uma atividade oito vezes maior ao receber uma dose de radiação.

O FGF-2 normalmente ajuda as células a responder ao stress. Neste caso, parece impulsionar a atividade de outros dois genes denominados “p21” e “p57”. Estes genes controlam eventos cruciais no ciclo vital de uma célula — por exemplo, quando uma célula se divide para formar duas células “filhas”, ou quando uma célula epitelial se transforma em una célula fibrosa. Blakely suspeita que um desequilíbrio dos genes p21 y p57 leva à formação de células fibrosas anormais e, em conseqüência, à formação de cataratas.

É necessário que transcorra certo tempo para que as células fibrosas anormais se acumulem e visivelmente cubram com um véu o cristalino.

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