
Diego Cevallos (Tierramérica)
Para os 146 governos que participaram na V Conferência Ministerial da OMC, no México, construir um sistema de comércio justo e sustentável continua sendo um objetivo a longo prazo, mas para um punhado de pequenos agricultores já é uma realidade.
Alijados dos acalorados debates dos ministros, que se sucederam de 10 a 14 de setembro, e dos protestos de ativistas sociais, agricultores de 40 países em desenvolvimento se reuniram também em Cancun para compartilhar suas experiências em projetos do chamado comércio justo.
Este modelo de mercado alternativo já registra vendas de mais de US$ 400 milhões ao ano. Com este sistema, respaldado por grupos não governamentais,
pequenos agricultores que cultivam em comunidade e com técnicas
amigáveis com o meio ambiente têm a garantia de que colocarão seus produtos nos mercados a preços maiores do que os regidos pela oferta e demanda convencionais.
Existem más de 5 milhões de produtores no mundo que recebem os benefícios deste modelo comercial, segundo a Fraid Labelling Organization, grupo que emite certificações de comércio justo e que, junto com outros grupos, se encarrega de colocar os produtos nos mercados.
No mundo existem 43.000 lojas que vendem café, chá, cacau, mel, açúcar, arroz, banana, manga, abacaxi, suco de laranja e flores certificadas. Além de outros 100 derivados desses produtos. O sistema apela à consciência dos consumidores.
O comprador sabe que os preços dos produtos certificados são maiores do que os vigentes no mercado livre, mas também entende que esse alimento é de qualidade e que foi cultivado de maneira sustentável em cooperativas, comunidades ou associações de pequenos agricultores. A maioria dos consumidores está nos países industrializados, onde os níveis de renda são altos.
“Sei que temos muitas limitações pois em nossos países pobres os consumidores privilegiam o preço e não a qualidade”, disse à Tierramérica Ricardo Apaza, agricultor boliviano do grupo Ceibo, associação que reúne 800 famílias de produtores de cacau orgânico e que faz parte do projeto de comércio justo.
Desde o ano passado, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) trabalha com psicólogos e especialistas em teorias condutistas para tentar pôr na moda os padrões de consumo “verde” no mundo.
Não obstante, reconhece que isso não será suficiente para regiões como a América Latina, onde os maus hábitos de consumo se fundem com a impossibilidade de milhões de pessoas para cobrir suas necessidades primárias. Os 240 milhões de pobres da América Latina parecem ter já bastante com que se preocupar para ter comida todos os dias. “Não tem sentido falar de um consumo sustentável se as necessidades atuais de consumo básicas e primárias não estão cobertas ainda”, declarou à Tierramérica Diego Masera, coordenador do programa de Indústria e tecnologia do PNUMA para a América Latina.
Em nível planetário, o consumo de 1/5 da população mundial que vive no Hemisfério Norte é responsável principal pela maior parte da destruição ambiental do mundo. Essa pequena porção, cuja renda é 74 vezes maior do que o 1/5 mais pobre, soma 86% do gasto global em consumo, indicam dados da Organização das Nações Unidas.
Masera advertiu que os ricos contribuem em maior medida para a deterioração ambiental, mas são os pobres que sofrem as piores conseqüências. Além disso, nenhum dos governos da América Latina tem uma política “coerente e estruturada” para promover o consumo sustentável, segundo a ONG Consumers International.
Mudar esta realidade não será nada fácil. Há mais de 10 anos está na agenda dos governos do mundo o compromisso em promover o consumo sustentável, mas pouco ou nada se avançou para cumpri-lo. Para piorar, os países pobres estão copiando “os modelos insustentáveis do Norte e não se colocam alternativas cultural, econômica e ambientalmente sustentáveis”, o que “é alarmante”, expressou Masera.
A agenda da OMC definida na IV conferência ministerial, celebrada em 2001 em Doha, a capital do Qatar, contempla um plano de negociações comerciais que aponta ao objetivo de alcançar um comércio mais justo, que ajude aos países em desenvolvimento a sair da pobreza.
Entretanto, as negociações que deveriam estar concluídas até o final de 2004 se mantêm estancadas em vários pontos, segundo pode ser constatado no fracassado encontro ministerial celebrado em Cancun. “Não tem que esperar o comércio justo, tem que lutar como estamos fazendo”, recomendou Apaza.
Produção sustentável
Isaías Martínez, camponês mexicano que produz café orgânico, tem opinião semelhante mas está otimista sobre o futuro. “Nossa produção de café sobe conforme as vendas, não só porque vendemos nos países ricos, mas porque começamos a ser competitivos frente ao café tradicional”, acrescentou.
Os promotores do comércio justo consideram que as regras da OMC (Organização Mundial do Comércio) e o livre mercado são definidas por grandes corporações e interesses dos países industrializados.
Por essa razão demandam promover mudanças que permitam aos produtores competir com preços adequados e aos consumidores adquirirem maiores niveles de consciência social y ambiental.
Paralelamente ao encontro ministerial da OMC em Cancun, os promotores do comércio justo realizaram um simpósio sobre o tema e organizaram uma feira, onde cerca 20 pequenos agricultores integrantes do projeto exibiram seus produtos.
“O comércio deve ser visto com objetivos sociais e ecológicos, se não for assim o mundo não tem futuro”, declarou à Tierramérica o salvadorenho Ricardo Navarro, um dos porta-vozes do grupo internacional Amigos da Terra na América Latina. “A OMC só quer um comércio que beneficie as corporações e não as pessoas. Mas há um limite para a produção e o consumo promovido pelas empresas e isso os países ricos parecem não entender”, disse.

Esbanjamento
A minoria rica usa 65% da eletricidade disponível no planeta, 84% do papel e 85% de todos os metais. Além disso, emite 70% do total de dióxido de carbono, gás que enlouquece o clima e provoca os desequilíbrios ambientais.
Se todo os habitantes da Terra adotassem o estilo de vida dos mais ricos, seriam necessários recursos de cinco planetas juntos para satisfazer a todos, advertem los estudios.
Na América Latina, 20% da população tem renda 19 vezes maior do que os 20% mais pobres. A desigualdade é tal, que para milhões de pobres o consumo de produtos básicos chega a ser um luxo.

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