Lisa Söderlindh
Nações Unidas, 15/02/2006 – Uma década depois de ser lançado pela Organização das Nações Unidas um plano especial contra a pobreza, mais de um bilhão de pessoas ainda vivem sem acesso à água potável, serviços médicos, moradia adequada e serviços essenciais para a vida diária, segundo observadores independentes. “A pobreza é como uma doença contagiosa que se propaga continuamente por todo o mundo”, disse a jovem Jesusa Gamboa aos participantes de uma conferência da ONU convocada para avaliar os resultados do plano Década para a Erradicação da Pobreza (1998-2006).
Gamboa, de 17 anos, representa um grupo da sociedade civil das Filipinas. No encontro, que começou na semana passada e vai até a próxima sexta-feira, destacou que ninguém em seu país está a par dessa campanha mundial. “Não vemos nenhum resultado deste trabalho. Ao contrário, a situação piorou. Somos nós, meninas e meninos e adolescentes, os mais duramente atingidos pela pobreza”, disse à IPS. Participam do encontro, convocado pela Comissão de Desenvolvimento Social da ONU, delegados dos países-membro, representantes da sociedade civil e analistas independentes.
A decisão de lançar o programa foi tomada na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social, realizada em Copenhague em 1995. Nessa ocasião, os líderes decidiram criar planos nacionais de ação em cooperação com a comunidade internacional para lutar contra a pobreza, o desemprego e a exclusão social. Mas quando a década chega ao fim, todos parecem concordar que o resultado é negativo. “Apesar do considerável progresso, a Comissão ainda está longe da meta de erradicar a pobreza”, afirmou durante o encontro o subsecretário-geral da ONU para Assuntos Econômicos e Sociais, José Antonio Ocampo.
Ocampo destacou que se conseguiu reduzir a pobreza na Ásia meridional e no sudeste asiático, mas no resto do mundo houve um retrocesso desde 1990. “O efeito da extrema pobreza ainda persiste em muitos países, sobretudo na África subsaariana”, acrescentou. A proporção de pobres que sobrevivem com menos de um dólar por dia nos países do Sul em desenvolvimento passou de 27% para 21% entre 1990 e 2000, o que significa que 130 milhões de pessoas melhoraram sua qualidade de vida.
Entretanto, o número dos que estão abaixo da linha de pobreza na África subsaariana aumentou quase cem milhões no mesmo período, segundo o Informe de Desenvolvimento Humano 2005 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. “Após uma década de programas, mais de 40% da população mundial ainda enfrenta diariamente a ameaça da pobreza”, diz o informe. “A década anterior pode ser medida por suas promessas quebradas e esperanças adiadas. Foi uma década de pobreza, e a comunidade internacional não pode mais tolerar um mundo onde a maior parte de seus habitantes estão destinados a sofrer uma abjeta pobreza”, disse a presidente do não-governamental Comitê sobre de Desenvolvimento Social, a irmã Burke. A religiosa exortou a Comissão a renovar seu compromisso e desenvolver estratégias efetivas para melhorar os resultados na próxima década.
Por sua vez, Sanjay Reddy, professor assistente de economia do Colégio Barnard, da Universidade de Colúmbia, destacou a necessidade de a ONU criar um “sistema estatístico crível” para avaliar os progressos na luta pela redução da pobreza. “A medida de um dólar por dia, mais usada pelas Nações Unidas, apresenta problemas metodológicos que tornam pouco confiáveis as avaliações sobre a pobreza”, afirmou Reddy durante um painel de discussão. Nos últimos 10 anos, os compromissos para erradicar a pobreza foram confirmados pelos Estados-membros da ONU, em particular através dos Objetivos de Desenvolvimento para o Milênio.
Estes objetivos, adotados na Cúpula do Milênio realizada em 2000, incluem a redução da pobreza extrema e da fome pela metade, educação primária universal, abatimento da mortalidade materna em três quartos e da infantil em dois terços, e o combate à aids, malária e outras enfermidades. As metas específicas devem ser cumpridas até 2015 e têm com referência os níveis de 1990. Especialistas disseram que os esforços para alcançar os Objetivos concentram-se em aumentar a ajuda ao desenvolvimento.
Sucesso ou fracasso?
“Pela primeira vez somos capazes de erradicar a pobreza e o analfabetismo da condição humana”, afirmou Clare Short, ex-ministra de Desenvolvimento Internacional da Grã-Bretanha, ao falar perante a Comissão.
“A atual intensificação da integração econômica global demonstra que existem suficientes conhecimento, tecnologia e capital para levar o desenvolvimento a todos os habitantes do mundo”, acrescentou.
Entretanto, apesar do compromisso e da capacidade para reduzir a pobreza, é provável que os Objetivos do Milênio não sejam alcançados por muitos países e muitas regiões do planeta, ressaltou.
O diretor-executivo do Instituto do Terceiro Mundo, o uruguaio Roberto Bissio, explicou à IPS o motivo. “Os países ricos não estão cumprindo sua parte nos compromissos por pensarem que o custo para eles é muito alto, sem se darem conta de que não acabar com a pobreza é muito maior”, afirmou.
Bissio disse que “aos países em desenvolvimento é imposto um modelo econômico que não satisfaz suas próprias necessidades. Considerando o resultado direto dos esforços, a década foi um fracasso. Mas se for considerada a crescente conscientização sobre a pobreza e a atenção que agora é dada a estes assuntos, a década foi um êxito. Ainda é possível erradicar a pobreza, trata-se apenas de repassar os compromissos”, acrescentou. (IPS/Envolverde)
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