O papel das religiões na preservação e valorização da água

Foto: Romaria das Aguas – RGS. Aguaonline.

A água ocupa um lugar destacado nas crenças religiosas. Ao longo da história da humanidade tem desempenhado um importante papel nos rituais, símbolos e liturgias da maioria das religiões.

A religião é uma influência fundamental no pensamento e comportamento de um grande número de pessoas, tanto crentes como não crentes. Algumas das religiões mais importantes do mundo surgiram no Oriente Médio e em outras regiões onde a utilização e gestão da água sempre exerceram um papel central na vida das pessoas.

Frequentemente se fala da água como um presente de Deus. Os esforços para assegurar um suprimento suficiente de água tem se convertido no foco principal do desenvolvimento social, legal e político. A água é “especial” e as mudanças na maneira de geri-la e utilizá-la devem ser adotadas com cautela e sensibilidade para as atitudes e crenças preponderantes.

O contexto no qual tradicionalmente tem-se debatido os assuntos relacionados com a água está mudando de forma radical desde a aparição das grandes religiões e suas doutrinas. Nos últimos 1.000 anos a população mundial se multiplicou por vinte. A maior cidade do mundo no ano 1000 D.C. não superava 1 milhão de habitantes. Na atualidade há mais de 40 megalópoles com mais de 10 milhões de habitantes.

Muitos países sofrem de estresse hídrico, numerosas fontes de água estão ameaçadas pela contaminação e a mudança climática, e o abastecimento de água e esgotamento sanitário supõe um custo econômico enorme para as gerações atuais e vindouras. As crenças e os costumes que as sustentam tem tido que enfrentar problemas prementes fruto dos mudanças vertiginosas que se vem-se sucedendo no mundo da água.

Mesmo assim, tem surgido novas crenças que em alguns casos passam a ser consideradas como novas religiões. Os líderes religiosos desempenham um papel crucial na divulgação das mensagens recolhidas no 3º Informe:

• Influenciando as atitudes, as escolhas morais e o comportamento de seus fiéis para a água; todos eles condicionantes que repercutem no uso e na gestão da água.

• Motivando e mobilizando a grupos de pessoas para que desempenhem diferentes papéis a fim de alcançar objetivos comuns.

• Educando os jovens sobre o papel fundamental que exerce a água para alcançar objetivos sociais e de desenvolvimento.

• Dando exemplo ao utilizar a água com moderação e de maneira eficiente em suas próprias instituições e comunidades religiosas.

• Levando a cabo projetos e programas com a água como eixo central em colaboração com organizações beneficentes e ONGs com um cometido religioso.

• Representando a um grande número de fiéis para debater sobre o futuro dos recursos hídricos.

Ainda que algumas religiões não compartilhem seus pontos de vista em temas relacionados com a água, há uma série de princípios que são praticamente comuns a todas elas:

• O altruísmo como virtude.

• A importância de procurar o bem-estar comum e servir à comunidade.

• Ser consciente sobre as conseqüências que as próprias ações tem sobre o bem-estar do próximo.

• A preocupação com os mais desfavorecidos.

• A administração e o uso responsável do ambiente natural.

• A preocupação com as próximas gerações e com um desenvolvimento sustentável.

• O convencimento de que a água é um direito humano, baseado na dignidade da pessoa.

1 Neste contexto o termo “religião” foi utilizado de forma geral para referir-se à grande variedade de confissões e crenças transcendentais. Por razões óbvias em um documento com estas características, é impossível incluir a visão do humanismo, agnosticismo e ateísmo, assim como a dos numerosos movimentos e seitas que contam com uma menor representação. Não obstante, cremos que os princípios éticos descritos aqui são compartilhados pela maioria delas.

2 Algumas destas crenças surgiram de uma conscientização ambiental, como a “ecologia radical” e a teoria Gaia.

Neste documento se ressalta uma série de princípios éticos comuns que ganharam especial relevância no 3º Informe: altruísmo, comunidade, interdependência, preocupação com os mais desfavorecidos, administração do meio ambiente, preocupação com as futuras gerações a água considerada como um direito humano baseado na dignidade da pessoa.

Em sua condição de guias espirituais e seculares de centenas de milhões de crentes, os líderes de movimentos religiosos e de outros movimentos que influem no pensamento espiritual desempenham um papel fundamental em divulgar as mensagens do Informe das Nações Unidas sobre os recursos hídricos no mundo: A água em um mundo em constante mudança, de 2009.

O papel das religiões

Nesta seção e no box ao lado são analisadas como as mensagens chave do 3º Informe sobre os recursos hídricos no mundo estão estreitamente relacionadas com estes princípios morais básicos.

Comunidade

A maior parte das crenças dão um grande valor à participação dos indivíduos nas tarefas comunitárias. Para muitos, o lugar de culto é o centro da vida coletiva e na maioria das comunidades a água é tratada como uma responsabilidade coletiva. A água oferece uma oportunidade para o diálogo em numerosas ocasiões, inclusive entre partes antagônicas, exercendo um importante papel na construção da comunidade.

Em geral, os serviços públicos são os proprietários das redes de suprimento de água e se encarregam de sua gestão, mesmo que algumas operações possam ser delegadas a empresas privadas sujeitas à regulação pública. Não obstante, a gestão comunal e cooperativa é uma opção que tem dado bons resultados em alguns municípios.

Por exemplo, as comunidades de renda baixa de Manila, Filipinas, dependem da água fornecida por atacado e administrada em nível local, que é distribuída posteriormente mediante acordos coletivos.

Um aspecto de especial relevância na gestão de sistemas de irrigação e no saneamento é a tomada de decisões no seio da comunidade, tal como é testemunha a proliferação de Associações de Consumidores de Água. O 3º Informe apresenta numerosos exemplos de iniciativas que dependem de um alto grau de participação da comunidade. Nos países do sul da Ásia, entre outros, o modelo propugnado pelo movimento Saneamento Total liderado pela Comunidade (CLTS, por sua sigla em inglês) tem obtido um notável êxito. O CLTS conta com as iniciativas surgidas das comunidades locais, a tecnologia adequada e uma forte pressão de grupo para garantir a presença de latrinas em todos os povoados, substituindo o costume imperante de defecar ao ar livre. Em um cenário completamente diferente, o planejamento e a implementação dos sistemas condominiais das redes de esgoto local em algumas cidades do Brasil e em Karachi, Paquistão, dependem também em grande medida da participação da comunidade.

O papel das religiões II

Foto: Romaria das Aguas – RGS. Aguaonline.

Altruísmo

Em numerosas crenças o comportamento altruísta se situa em um plano moral mais elevado que as acione motivadas pelo próprio interesse. No setor hídrico, o 3º Informe recolhe uma série de exemplos que refletem atos de egoísmo de consumidores e produtores que acabam prejudicando o bem-estar geral e que podem chegar a ser insustentáveis para seus próprios autores.

Interdependência

O homem não é uma ilha. Em um mundo interdependente as pessoas que vivem em regiões onde a água está garantida se preocupam pelo impacto que suas pautas de consumo podem ter em regiões com estresse hídrico, onde o suprimento e os serviços são mínimos. Ainda que a água seja um tema local, nacional ou transfronteiriço, pode chegar a exigir dimensões internacionais devido principalmente aos fluxos de comércio e de investimentos. Os bens e serviços que utilizam água em sua produção (água virtual) podem aumentar o estresse hídrico nos países que os exportam. As empresas que se situam em zonas de estresse hídrico influenciam na situação local através de sua pegada hídrica, enquanto os consumidores de sociedades mais privilegiadas em determinadas ocasiões aumentam o estresse hídrico em outras zonas por sua maneira de utilizar a água.

(Para calcular sua pegada hídrica visite a página web Water Footprint Network, www.huelahidrica.org). Como todos somos interdependentes, cada um de nós é um ator na questão da água.

Preocupação com os mais desfavorecidos

A declaração das Nações Unidas sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) é um dos compromissos internacionais de maior envergadura e alcance para ajudar a sociedades desfavorecidas. Desde sua formulação, tem sido o motor e o princípio organizador dos esforços de desenvolvimento realizados no marco da água, do esgotamento sanitário e de outras áreas de interesse. A água é insumo chave para alcançar os ODMs relacionados com a fome, a educação primária, a igualdade de gênero, a mortalidade infantil e a sustentabilidade e ambiental.

A declaração dos ODMs exige uma nova perspectiva sobre o impacto das políticas de desenvolvimento convencionais relativas à desigualdade e a pobreza. Tem impulsionado novas pesquisas e estudos sobre o impacto da falta de saneamento que afetam desproporcionalmente as mulheres e as crianças. Também tem obrigado as agências de desenvolvimento a refletirem sobre porque os gastos em saneamento estancaram, porque existem tantos obstáculos para conseguir fundos em âmbito local e quais são as melhores políticas, tecnologias e processos para oferecer saneamento às zonas mais desfavorecidas. Se observamos

a gestão dos recursos hídricos e os esquemas para fins múltiplos desde una perspectiva mais ampla, as agências de

desenvolvimento devem revisar suas políticas de armazenamento de água com previsão de necessidades futuras e do impacto das secas e inundações na vida dos mais desfavorecidos.

Os subsídios para a água não ajudam automaticamente as pessoas de menos recursos, de fato só beneficiam aos que

tem a sorte de estar conectados às redes. A maioria das pessoas desfavorecidas que vivem em cidades com um crescimento vertiginoso não estão conectadas aos serviços públicos e dependem de supridores informais de água com tarifas muito mais elevadas que as dos serviços públicos.

Manter os preços baixos simplesmente priva de una fonte de recursos que de outro modo poderiam utilizar-se para ampliar a rede e incluir a aqueles indivíduos que atualmente não contam com este serviço.

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