Leonardo Geluda
No dia 14 de maio foi publicado o decreto que muitos aguardavam: a definição sobre o cálculo da compensação ambiental. Contrariando ao que foi definido no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), o que era piso virou teto. Ou seja, o decreto n. 6848 definiu que o valor a ser pago pelas empresas não deve ultrapassar a 0,5% do valor total do empreendimento, apesar do esforço dos ambientalistas de um teto de 3%. O decreto também definiu uma nova metodologia de cálculo, e que o grau do impacto sob o meio ambiente terá como base o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).
Sobre a metodologia, o novo decreto estabeleceu que o Valor da Compensação Ambiental (CA) será calculado pelo produto do Valor de Referência (VR) multiplicado pelo Grau de Impacto (GI) – em fórmula, CA=VR x GI. O VR é o valor do empreendimento, que deve ser apresentado pelo empreendedor, excluindo-se custos referentes a atividades que não causam impactos diretos na biodiversidade, ou que são utilizados para mitigação. Ou seja, o VR deverá ser menor do que era atualmente praticado. O GI é uma variável de impacto sobre a biodiversidade, na forma de valor percentual, que é calculado levando em conta os seguintes índices: magnitude do impacto em relação ao comprometimento dos recursos naturais, estado da biodiversidade impactada, extensão espacial do impacto, persistência temporal do impacto, comprometimento de áreas prioritárias e influência do impacto sobre unidades de conservação. Para fins de fixação da compensação, o Ibama estabelecerá o GI a partir do EIA/RIMA e considerará, exclusivamente, os impactos ambientais negativos sobre o meio ambiente. O GI pode variar entre 0 e 0,5%: o que era o valor mínimo virou o máximo.
A nova fórmula manteve como base o Valor do Empreendimento (VR), contrariando o que indicou a decisão do Supremo Tribunal Federal, em abril de 2008. Na ocasião, o STF julgou parcialmente procedente a ação de inconstitucionalidade impetrada em dezembro de 2004 pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que questionava o valor da compensação ambiental estabelecido pelo SNUC. E declarou o fim do valor mínimo de 0,5% e a desvinculação ao custo do empreendimento. Ou seja, a compensação não poderia mais ser calculada como um percentual dos custos dos projetos.
O STF reconheceu naquele momento que o que deveria ser compensado, e conseqüentemente valorado, é o impacto ambiental realmente causado, uma decisão coerente e justa. O valor do impacto não guarda, necessariamente, uma relação direta com os custos do empreendimento. É importante ressaltar que a decisão do STF reconheceu que a compensação deveria continuar existindo, mas que havia necessidade de uma revisão em sua metodologia de cálculo. O desafio passou a ser o desenvolvimento desta nova metodologia pautada nos impactos ambientais causados.
Existem alguns pontos bastante subjetivos e com potencial de discussão no que se refere aos índices definidos pelo decreto n. 6848. Por exemplo: o que determina o valor da magnitude do impacto é se este é nulo, pequeno, médio ou alto. Não foi definido critério quantitativo para enquadramento desses elementos de amplitude. O mesmo ocorre para o valor do estado da biodiversidade impactada, que varia se a biodiversidade se encontra muito, medianamente ou pouco comprometida. O Grau de Impacto deve ser calculado usando informações disponibilizadas no EIA/RIMA e, vale lembrar, estes documentos são geralmente produzidos por empresas de contratadas pelo próprio empreendedor.
Na prática, apesar da lógica perversa, a compensação ambiental viabiliza um mecanismo de financiamento para a criação e manutenção de UCs, contribuindo para que estas alcancem seus objetivos. Como muitos dos problemas enfrentados pelas UCs são provenientes da falta de recursos, tal mecanismo possui importante papel como instrumento financeiro para a consolidação do SNUC.
Sobre a compensação ambiental no SNUC
A Lei nº 9.985 de 2000 – Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, SNUC, consagrou a compensação ambiental como instrumento de financiamento de Unidades de Conservação (UC), ao definir, em seu artigo 36º, que todos os empreendimentos de significativo impacto ambiental devem obrigatoriamente apoiar a implementação e manutenção de UC. A lei estabeleceu, em seu texto original, que o total de recursos a ser destinado para as UC não poderia ser inferior a 0,5% dos custos totais de implementação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador de acordo com o grau de impacto causado pelo projeto. As UCs a serem apoiadas são as de proteção integral, mas, caso o empreendimento afete uma unidade de Uso Sustentável ou sua zona de amortecimento, esta também deverá ser apoiada.
O Decreto n° 4.340 de 2002 regulamentou uma séria de artigos da Lei do SNUC, entre eles o artigo que trata da compensação ambiental. Definiu-se que o valor do percentual a ser aplicado na compensação deveria ser estabelecido considerando a amplitude dos impactos negativos e não mitigáveis aos recursos ambientais. Além disso, determinou a ordem de prioridade da aplicação dos recursos oriundos da compensação.
Autor
Leonardo Geluda é economista e trabalha na Unidade de Modelagem de Mecanismos Econômicos e Financeiros do Funbio.
Fonte de recursos para UCs enfraquecida
Sem dúvida, a compensação continuará sendo uma das principais fontes de recursos para as UCs, mas com um potencial mais reduzido. O SNUC permanecerá carente de recursos financeiros para a efetiva proteção da rica biodiversidade brasileira. Logicamente as UC não podem depender somente dos recursos oriundos da compensação para se manterem ou para serem criadas.
Vale lembrar que os recursos provenientes desse instrumento são provenientes de atividades que degradam de forma intensiva o meio ambiente. As UC precisam ter uma verba independente, capaz de sustentá-las e até ampliar sua quantidade, dando à compensação um papel de aliada nesse sentido.
Dado de setembro de 2008, fornecidos pelo ICMBio, indicavam a existência de um montante total próximo de R$ 550 milhões, sendo que apenas R$193 milhões estavam disponíveis para execução e, destes, somente R$49,5 milhões foram usados. Pode-se ver que apesar dos altos valores gerados, a execução possui uma série de entraves que impedem que os recursos cheguem às UCs. Vale ressaltar que tais valores são oriundos apenas dos processos de licenciamento federais, e que nos níveis estaduais também estão sendo gerados significativos montantes.
Os empreendedores, na maioria dos casos, preferem não executar os recursos, pois não possuem experiência e interesse nisso. Ao mesmo tempo, estão mais preocupados em se ver livres das obrigações referentes ao licenciamento, e por isso desejam uma alternativa na qual passem a obrigação de execução para terceiros.
Além disso, para que esses recursos sejam utilizados de forma eficiente é necessário o estabelecimento de uma estratégia de alocação de recursos que reflita metas de conservação a serem alcançadas, assim como deveria ser feito para qualquer outra fonte de recursos. Também poderia ser avaliada a possibilidade de se usar parte dos recursos da compensação para capitalizar um fundo nacional para UC, para financiar, no longo prazo, os custos recorrentes das UC.
Diante deste contexto, com o objetivo de viabilizar o uso dos recursos compensatórios de forma estratégica, o Funbio vem investindo na criação de mecanismos criativos, como o recém-desenvolvido para o Estado do Rio de Janeiro, que derivou na criação do Fundo da Mata Atlântica. Além deste, outros dois estão sendo trabalhados: um para o estado de Minas Gerais (em desenvolvimento) e outro modelado junto a uma empresa privada do ramo energético. Todos visando a construção de um arranjo que permita que a compensação, depois de definida, possa ser executada com maior agilidade e que de fato cumpra o seu papel frente à conservação de nossa rica biodiversidade.
Leave a Reply