
Resultados de um estudo realizado pela ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância, com o apoio do Programa de Comunicação em Mudanças Climáticas da Embaixada Britânica no Brasil, apontam claramente para um crescimento expressivo da cobertura de imprensa sobre Mudanças Climáticas a partir do último trimestre de 2006, especialmente nos jornais nacionais e de cunho econômico.
Na análise sobre a cobertura os especialistas indicam que ”as limitações reveladas pela cobertura podem ser transformadas em fortalezas, na medida em que sejam levadas em conta como fatores para qualificação do debate sobre as Mudanças Climáticas. Nesse sentido, parece que enfrentar esses desafios revelados pela análise pode agregar avanços qualitativos no Mudanças Climáticas na imprensa brasileira tratamento editorial dispensado ao tema, além de ser um caminho para a continuidade de seu agendamento na sociedade”.
Entre os desafios que estão colocados para os veículos e profissionais da imprensa, na opinião dos avaliadores da cobertura estão:
É preciso internalizar a pauta, ou seja, trazer a discussão do cenário internacional para o contexto doméstico e, no âmbito do Brasil, abordar as diferentes realidades regionais. Nesse sentido, um conjunto de pesquisas específicas sobre a realidade brasileira que serão divulgadas ao longo de 2008 serão, certamente, elementos relevantes também para o debate jornalístico. Outro fator apontado é a necessidade de ampliar os horizontes da cobertura sobre Mudanças Climáticas, vinculando-a a um debate mais transversal sobre as estratégias de desenvolvimento inclusive elevando a presença de outros enquadramentos para além do ambiental.
A análise apontou, ainda, que as políticas públicas para a área estão subcobertas pela mídia. A imprensa precisa exercer mais e melhor o seu papel de guardião (watchdog). Considera-se que o canal foi aberto, faltando explorar mais atentamente as imensas possibilidades da pauta.
Segundo os promotores do estudo o objetivo é apresentar um mapa bastante detalhado e, provavelmente, pioneiro acerca do tratamento editorial oferecido pelas redações brasileiras aos assuntos relacionados às Mudanças Climáticas. Algumas perguntas nortearam a elaboração da pesquisa:
A imprensa agendou o tema no período?
Se sim, como?
Ao prover informações sobre o tema, a mídia o contextualizou?
Ouviu uma diversidade de atores envolvidos com o assunto?
Buscou abordar o assunto a partir de variadas perspectivas?
Os diferentes veículos noticiosos desempenharam seu papel de fiscalização dos formuladores e executores de políticas públicas?
Foram analisados 997 textos localizados sob o extenso guarda-chuva das Mudanças Climáticas e 2.811 textos referentes à cobertura geral sobre meio ambiente. Os textos foram obtidos a partir da busca eletrônica realizada em 50 jornais brasileiros.
Os números globais da pesquisa – 997 textos sobre Mudanças Climáticas – permitem inferir que a produção do conjunto de jornais no período foi de um texto jornalístico (editorial, coluna, artigo, entrevista ou notícia) a cada três dias. Ao analisarmos os três últimos trimestres, no entanto, a produção cresce para um texto a cada dois dias. Já ao focarmos a avaliação nos jornais de referência, a freqüência registrada é de 1,5 texto a cada dia.
A ótica cidadã

Segundo a análise neste item talvez resida uma das maiores surpresas da cobertura: a baixa presença de grupos populacionais específicos. De modo geral, a imprensa brasileira dedica pouca atenção a indivíduos e grupos determinados (12,7%). “Essa não é uma questão de menor envergadura, visto que os organismos internacionais e especialistas têm ressaltado que as populações pobres serão as que mais sofrerão os impactos das alterações no clima (2,3% dos textos ressaltam este ponto). Segundo aponta o Pnud:
Os primeiros sinais de alerta são já perceptíveis. Hoje, testemunhamos em primeira-mão o que pode ser o início do maior retrocesso em desenvolvimento humano durante o nosso período de vida. Nos países em vias de desenvolvimento, entre as populações mais pobres do mundo, milhões de pessoas são já obrigadas a lidar com os impactos das alterações climáticas. (Pnud, 2007:1)
As alterações climáticas exigem neste momento uma ação urgente para lidar com uma ameaça a dois grupos de eleitores com fraca voz política: os pobres do mundo e as gerações futuras. (Idem, 2)
Cerca de 262 milhões de pessoas foram anualmente afetadas por desastres climáticos entre 2000 e 2004, mais de 98% nos países em vias de desenvolvimento.(Idem, p. 8)”.
Outra característica da cobertura foi que os dados analisados demonstram que a imprensa brasileira costuma discutir as Mudanças Climáticas e seus temas correlatos sem relacioná-los com a agenda mais ampla do desenvolvimento e do crescimento – em quaisquer de suas vertentes. Do total de textos analisados, cerca de 13% buscaram traçar esse paralelo.
O Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), trata exatamente dessas correlações. Ainda que tenha sido publicado em um período posterior ao analisado pela presente pesquisa, o documento traz um conjunto de informações altamente relevantes que já poderiam ter sido levantadas pela imprensa. No relatório o Pnud ressalta:
“A longo prazo, as alterações climáticas são uma ameaça massiva ao desenvolvimento humano e, em alguns lugares, já minam os esforços da comunidade internacional para reduzir a pobreza extrema. (Pnud, 2007:V)
Este progresso em desenvolvimento é, cada vez mais, interrompido pelas alterações climáticas. Por isso, devemos encarar a luta contra a pobreza e a luta contra os efeitos das alterações climáticas como um conjunto de esforços interrelacionados, que mutuamente se acentuam, pelo que o sucesso deve ser alcançado em ambas as frentes. (Idem, VI”.
Jornais nacionais, agenda internacional
Os veículos que tendem a influenciar mais decisivamente o debate político nacional apresentam uma agenda mais internacionalizada– seja totalmente dedicada à cobertura de fatos que se passam na arena internacional, seja fazendo alguma vinculação com o Brasil – do que os jornais regionais. Nestes, a maior parcela da cobertura sobre Mudanças Climáticas (53,5%) é dedicada ao território nacional, enquanto nos veículos de circulação nacional o peso dos conteúdos com foco no contexto internacional é bastante superior ao majoritariamente centrado na realidade brasileira.
Vale ressaltar, portanto, a relevância dos jornais regionais no agendamento da questão. Historicamente, esses veículos tendem a trazer para a realidade local questões que em outros diários tendem a assumir uma roupagem mais ampla.
Dos conteúdos analisados, 40% mencionam dados e estatísticas – um número razoavelmente elevado, porém revelador do percentual da cobertura que ainda pode se aprofundar na temática. Desses, 34,6% compararam, de alguma forma, os percentuais ou números apresentados.
No que se refere à menção a aspectos como legislação, documentos e relatórios, ocorre algo semelhante: o volume de textos que os trazem são da ordem de 36% e, dentre esses, 38,7% aprofundam a abordagem, sublinhando características específicas desses marcos legais e outros tipos de documentação. Aqui, entretanto, encontramos um tipo de concentração que merece atenção: as menções estão focadas nos diplomas legais e documentos internacionais.
O Protocolo de Quioto conta com 17,3% das menções e o Relatório do IPCC com 7,7%. Vale salientar que, quando olhamos para os marcos legais nacionais, a Constituição Federal aparece em 0,4% dos textos e a Legislação Ambiental do País em 0,2%. Estes dados reforçam a idéia de que a mídia nacional centrou sua cobertura em aspectos consolidados – no cenário internacional – do debate sobre as Mudanças Climáticas. De fato, nossa Constituição e nossa legislação ambiental trazem pouca ou nenhuma especificidade sobre o tema. Na avaliação dos promotores do estudo tal característica seria, por si só, uma questão de interesse jornalístico.
Outros três parâmetros caracterizam a cobertura como mais ou menos contextualizada: enquanto 31,4% dos textos trazem fontes científicas/pesquisas, apenas 4% explicam as terminologias científicas utilizadas e 3,2% apresentam referências bibliográficas. Com isso, limita-se a capacidade de compreensão de parte do público e não se contribui para que uma outra parcela, potencialmente interessada, acesse conteúdos nos quais poderiam se aprofundar na temática.
Mais informações
Veja no arquivo anexo mais detalhes sobre o estudo.
Cobertura propositiva
A pesquisa revelou que as soluções aparecem em um volume um pouco mais expressivo de editoriais, artigos, colunas, entrevistas e notícias: 39,1%.
Há um grande volume de textos (51,5%) que não trazem um debate sobre soluções, apesar de terem focalizado causas para os problemas discutidos. Conseqüentemente, também é alto (62%) o número de matérias que abordam soluções para questões acerca das quais não se apresentaram as causas.
Esse descompasso na abordagem do tema contribui para um outro desajuste: ao apresentar as soluções, a mídia aponta como principais responsáveis pela implementação dessas potenciais estratégias atores que não foram, na mesma proporção, identificados como envolvidos na produção dos problemas em pauta.
Assim, enquanto o Setor Privado é visto como responsável pelas causas discutidas em 7,3% dos textos, é considerado parte das soluções em 20,3% – o que, de certa forma, cria uma imagem positiva destes atores, que acabam sendo vistos menos como culpados do que como possíveis colaboradores na solução do problema. O governo brasileiro (21%) e os governos estrangeiros (21%) dividem as primeiras posições entre os principais responsáveis por tentar equacionar as questões discutidas.
Por fim, as conseqüências são abordadas em 49,5% dos textos analisados. Dentro desse universo de textos, houve uma expressiva concentração nas conseqüências ambientais (71%), seguidas pelas econômicas.
Outro resultado preocupante deve ser destacado: a baixa presença de um tratamento editorial consistente no que se refere ao acompanhamento aprofundado e investigativo das políticas públicas. Embora o governo brasileiro e os estrangeiros apareçam freqüentemente, é bastante reduzido o percentual de textos que os cobram pela implementação de políticas específicas para a área (3% e 4,4% respectivamente).
Como ilustração da idéia de cobrança dos governantes, o economista Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia, aborda, na edição de dezembro da revista Scientific American Brasil, um caso interessante de como se pode, com contundência, cobrar as instâncias governamentais nas discussões referentes às Mudanças Climáticas.
A corte [dos Estados Unidos] derrubou firmemente todas as defesas da agência
[Ambiental dos Estados Unidos] para sua inação:
1) notou que ela é obrigada a regular qualquer poluente deletério emitido por veículos motorizados;
2) que o dióxido de carbono claramente se encaixa nesta categoria;
3) que Massachusetts decidira processar porque a mudança climática já estava erodindo parte de sua costa,
4) e que o estado era vulnerável a perdas costais consideravelmente maiores neste século se a mudança climática não for mitigada.
Além disso, enfatizou que mitigar as emissões de veículos nos Estados Unidos teria um efeito significativo no ritmo da mudança climática. Por todas essas razões, a Corte decidiu que a Agência era obrigada a agir.
Causas, conseqüências e soluções
O relatório aponta que a apresentação de causas, soluções e conseqüências constitui um dos elementos mais importantes na construção de uma perspectiva diferenciada para a cobertura de um determinado tema. Segundo os estudos do professor Shanto Iyengar, da Universidade de Stanford, apresentar causas e soluções significa, acima de tudo, apontar os responsáveis pelas questões em pauta.
Esclarecimentos sobre as causas da ocorrência de um fenômeno ou problema necessariamente trarão os envolvidos (a natureza, a humanidade ou, mais importante, atores específicos) nesta equação. Raciocínio semelhante se aplica às soluções.
“Há uma tendência na cobertura jornalística sobre as Mudanças Climáticas – detectada inclusive por estudos internacionais (Stamm, Clark e Eblacas, 1997; Bell, 1994) – de salientar as conseqüências, geralmente negativas desse fenômeno, focalizando-se menos suas causas e soluções.
Na análise do tratamento editorial dispensado pela imprensa brasileira às alterações no clima, as causas foram apresentadas em 30,4% dos textos. Vale ressaltar que essas responsabilidades não são, necessariamente, apontadas para as Mudanças Climáticas, mas também para os temas correlatos analisados: efeito-estufa, falha nas negociações internacionais, etc.
Dentre os textos que apresentam causas, predomina o enfoque nos aspectos naturais (46,5%) e em seguida aponta-se a atividade humana – reconhecendo-se como maiores responsáveis pelo problema os governos estrangeiros (14,2%), a sociedade em geral (9,6%), o governo brasileiro (7,3%) e o setor privado (7,3%)”.
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