Taisa Gamboa, da AgN/CT.
Ilustração: Patrícia Perez – AgN/CT (*)
Todo mundo adora uma batata frita e um salgadinho. Mas o que fazer com o óleo utilizado na preparação desses alimentos? Se você joga no ralo, está agindo errado. E se põe o resíduo no lixo comum, também. Quando o descarte ocorre em uma região provida com rede de coleta de esgotos, parte do óleo adere às paredes e absorve outras substâncias. Essa mistura se solidifica e reduz o diâmetro das tubulações, prejudicando o transporte do esgoto, aumentando a pressão interna e os vazamentos, diminuindo a vida útil das bombas e, em casos extremos, provocando o completo entupimento da rede coletora.
As estações de tratamento também não estão preparadas para receber a enorme quantidade de óleo de cozinha despejado pela população (200 milhões de litros por ano). A gordura prejudica o desempenho de diversos dispositivos, entre eles os decantadores; os reatores aeróbios, que têm seu pH alterado; e os biodigestores anaeróbios, que acabam produzindo lodo difícil de transportar e com maior carga orgânica. As informações são do professor, pesquisador da COPPE da UFRJ, do CEFET-RJ, e engenheiro da CEDAE, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro.
Segundo Marcos Vinícios Marques Fagundes, professor e pesquisador do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ), se uma localidade conta apenas com uma galeria de águas pluviais, além do entupimento dos canos, o despejo de óleo reduz o oxigênio dissolvido no corpo hídrico, e pode atrair animais perigosos, além de provocar mau cheiro. Quando o óleo utilizado é lançado no lixo comum, ele acaba chegando aos lixões, onde muitas vezes é enterrado com os demais resíduos, podendo contaminar o lençol freático. Nesse caso, os danos ao meio ambiente são enormes.
Para se ter uma idéia, um litro de óleo contamina cerca de um milhão de litros de água. Isso acontece porque apesar de o óleo vegetal se dispersar em uma camada muito fina sobre a água, é suficiente para prejudicar a transferência de Oxigênio na interfase ar-água. Entretanto, devido a sua biodegradabilidade esse problema não é tão grave quando comparado aos óleos de origem fóssil, como o petróleo, que além de tudo é tóxico. É bom lembrar que a biodegradabilidade do óleo vegetal, que o torna muito menos danoso que os demais, não ocorre instantaneamente, sobretudo nas metrópoles, com grande adensamento urbano.
Mas há solução. O óleo vegetal utilizado na preparação de alimentos pode ser empregado como matéria-prima para diversas indústrias, como, por exemplo, a de sabões e detergentes, de ração animal e até na produção de biodiesel de alta qualidade. Segundo Luciano Basto Oliveira, pesquisador do Instituto Internacional de Mudanças Globais, Ivig/Coppe/UFRJ, o material tem preço no mercado e existem algumas empresas operando no ramo de coleta de óleo usado em restaurantes e residências. Os resíduos colhidos pelos catadores que trabalham nos lixões também é aproveitado. Mas para isto é necessário que o óleo seja descartado de forma adequada, de preferência em recipientes lacrados, que podem ser doados ou vendidos para os sistemas de coleta de resíduos que já existem há décadas no país.
Na verdade, os processos de produção de sabão e de biodiesel são similares e concorrentes, sendo que a saponificação ocorre espontaneamente quando os óleos vegetais e os materiais alcalinos são misturados. Para favorecer a produção de biodiesel pode-se inserir mais álcool do que o necessário ao processo, mas existem outras técnicas. Uma equipe interdisciplinar da UFRJ se uniu para tentar descobrir formas alternativas mais baratas e fáceis de produção de um biodiesel de qualidade que possa ter aplicação no mercado.
Luciano Basto conta que a Engenharia Química participa com o projeto e a operação da usina de produção do combustível; além da análise sobre a qualidade do produto, garantindo o atendimento às especificações. A Engenharia Mecânica planeja e realiza os testes de emissões, durabilidade e desempenho, para verificar os efeitos do combustível produzido por motores e no meio ambiente. O Planejamento Energético e Ambiental analisa a disponibilidade de insumos na atualidade e no futuro; os mercados para escoamento dos co-produtos (farelo e glicerol); a possibilidade de redução de emissões de poluentes; e a viabilidade de solicitação de créditos de Carbono para este tipo de combustível.
Já foram utilizados mais de 20 tipos de insumos, desde óleos vegetais, novos ou usados, gorduras animais, resíduos industriais e sanitários. Os testes mais relevantes foram realizados durante mais de dois anos com caminhões novos de coleta de lixo hospitalar da COMLURB. Dois veículos utilizaram 5% de biodiesel de óleo de soja e outros dois utilizaram a mesma porcentagem de biodiesel de óleo de fritura. Outros cinco caminhões continuaram usando o óleo diesel comum.
O projeto contou com o apoio da Petrobrás e da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), que cederam a planta-piloto e arcaram com a maior parte dos custos; da Ford, montadora dos caminhões utilizados, que apoiou a realização dos testes, mantendo a garantia dos veículos (exigência da Comlurb), da Bosch, fornecedora das bombas injetoras de combustíveis nos motores, um dos equipamentos mais sensíveis às mudanças de combustíveis; e da Cummins, fabricante dos motores.
Os resultados dos testes revelaram que o óleo de fritura favoreceu uma queima mais completa do óleo diesel ao qual estava misturado, reduzindo a emissão de fuligem quatro vezes mais que a mistura entre óleo diesel e biodiesel de óleo de soja. “Estes dados apontam a segregação do resíduo de óleo de fritura como uma possível solução para os danos causados pela seu descarte irregular no ambiente, e pelas emissões de poluentes. Ao substituir o óleo diesel, o biodiesel reduz emissões de enxofre (responsável por chuva ácida e doenças respiratórias); de material particulado (responsável por doenças respiratórias); de hidrocarbonetos; de aromáticos (cancerígeno); além de dióxido de carbono (gás do efeito estufa). No que concerne à redução da poluição decorrente de seu lançamento no ralo, evita metano (gás do efeito estufa, mais potente que o CO2)”, acrescentou o pesquisador Luciano Basto, especialista em Análise Ambiental, e Doutor em Planejamento Energético com Ênfase Ambiental.
Para tentar motivar a utilização do biodiesel, o governo brasileiro desenvolveu um programa nacional que permite o consumo de 2% do novo combustível misturado em todo o óleo diesel comercializado no país, a partir de 2008. O biodiesel pode ser utilizado puro ou misturado, em quaisquer quantidades, nos motores ciclo-diesel, desde que se comunique à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
As estimativas mostram que a quantidade de óleo de cozinha usado, produzido pela população, é apenas 25% do volume necessário para atender à obrigatoriedade que será iniciada em 2008. “O encaminhamento desse resíduo para ser transformado em combustível é uma demonstração de evolução; as pesquisas desenvolvidas na universidade estão chegando ao cotidiano da sociedade, para auxiliar a todos, inclusive aos mais carentes”, ressalta Luciano Basto.
Esta matéria foi publicada originalmente na Olhar Vital, publicação eletrônica da Coordenadoria de Comunicação da UFRJ.
Óleo usado vai abastecer carros no Algarve
Faro, 13 dez (Lusa) – As frotas de automóveis das câmaras municipais do Algarve (Portugal) começarão a ser abastecidas com óleo de cozinha usado já a partir de 2008, graças a um projeto candidato a fundos comunitários, disse à Lusa fonte da associação ambientalista Almargem.
Na origem do projeto está a necessidade de baixar o custo do consumo das frotas municipais, mas também a intenção de “ajudar a resolver o problema ambiental do destino dos óleos usados”, disse à Lusa o responsável pelo projeto, Alfredo Franco.
“Em todo o Algarve são produzidas mensalmente 100 toneladas de óleos alimentares usados, tanto como os espaços comerciais produzem”, disse. Mas ao contrário do que acontece com os hotéis e a restauração, em que o problema é resolvido através de um sistema legal de coleta seletiva, “em nossas casas cada um resolve o problema à sua maneira”.
Os estudos demonstram que 55% dos óleos usados perdem-se no esgoto, enquanto 45% vão para o lixo, isto é, acabam nas estações de tratamento de resíduos sólidos.
“Tanto num caso como em outro a solução implica custos ambientais, já que uma pequena parte dos óleos acaba por ir para a natureza”, disse, evocando também os grandes custos implicados na remoção de placas de gordura dos depósitos das ETAR (Estações de Tratamento de Águas Residuais).
Tal como já acontece na cidade espanhola de Valência e em Sintra (Portugal), e acontecerá brevemente em Oeiras, os consumidores domésticos serão convidados a depositar o óleo em reservatórios que estarão junto dos recipientes para o vidro, papel e embalagens.
Um caminhão com capacidade para 10 mil litros fará a coleta do óleo em todos os ecopontos e irá levá-lo para uma central de refinamento, a ser instalada em um município ainda não escolhido.
“Já temos dois municípios que se ofereceram para receberem esta central, na zona central do Algarve”, garante Alfredo Franco. O controle do refinamento será feito pela Universidade do Algarve.
Posteriormente, o óleo regressará ao município de origem em quantidades proporcionais às das coletas, mas sob a forma de biocombustível B30, isto é, com 30% de óleos usados refinados e 70% gasóleo tradicional.
O uso de biocombustíveis trará “evidentes benefícios econômicos” para os municípios aderentes, destaca o dirigente ambientalista, informando que só a frota da câmara de Loulé gasta 600 mil litros de gasóleo e todos os caminhões de lixo ao serviço da empresa intermunicipal Algar gastam 1,6 milhões de litros.
Em uma primeira fase, já em 2008, vão integrar o projeto quase todos os municípios situados na zona mais central do Algarve, entre Lagos e Tavira.
Nesta primeira fase, esclareceu Alfredo Franco, o óleo será refinado e misturado em centrais que já se dedicam ao tratamento de óleos provenientes de cafés, restaurantes e hotéis, situadas no Norte do País.
Dentro de seis anos, quando o projeto estiver concluído, o consórcio entre os municípios poderá traduzir-se na criação de uma empresa sem fins lucrativos, adiantou Alfredo Franco.
O projeto da autoria da Almargem, no valor de dois milhões de euros, tem como parceiros a Junta Metropolitana do Algarve (AMAL), que integra os 16 municípios da região, mas também a Águas do Algarve, a Algar (agência que promove o tratamento de lixos), a AREAL (Agência Regional de Energia e Ambiente do Algarve) e a Universidade do Algarve.
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