
Rajiv Fernando, da IPS.
Nações Unidas, 11/12/2007 – O esgotamento sanitario é vítima da fragmentação institucional, dos fracos planejamentos, de sua ausência entre as prioridades e dos tabus, segundo Andrew Hudson, especialista do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Cerca de 1,5 milhão de crianças morrem por ano pela ingestão de água de má qualidade, bem como pela falta de higiene e esgotamento sanitário adequados. Mais de um terço da população mundial carece de acesso a instalações básicas do setor.
O esgotamento sanitário é um dos menos mencionados entre os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Várias organizações e agências da ONU aceleraram seus esforços para reduzir a população carente destes serviços ao menos pela metade até 2015, data-limite do cumprimento destas metas. O príncipe de Orange, Guillermo Alejandro de Holanda, e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, uniram forças no mês passado para declarar 2008 Ano Internacional do Saneamento.
Entrevistado pela IPS, Hudson disse que a falta de recursos financeiros e de crédito para os mais pobres não deve ser deixada de lado no caminho para o cumprimento do objetivo.
P- Cerca de 2,6 bilhões de pessoas vivem sem saneamento adequado, das quais 980 milhões são meninas e meninos. Como o PNUD trabalha para resolver este problema?
O PNUD trabalha nos âmbitos mundial, nacional e local para abordar o vínculo entre o acesso ao esgotamento sanitário e à água potável e o desenvolvimento humano sustentável. Em nível mundial, apoiamos processos políticos e os liderados por ativistas, por exemplo, através do Informe Mundial sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos e de campanhas como a do Ano Internacional do Saneamento.
O PNUD também trabalha dentro dos países para incluir o acesso aos serviços de esgoto e à água nos planos de desenvolvimento nacional baseados nas Metas do Milênio, bem como estratégias de redução da pobreza e reformas de gerenciamento e políticas setoriais. Em âmbito local, nos concentramos na promoção de um manejo descentralizado da água, que seja adaptado às condições de cada comunidade e também às necessidades dos pobres e marginalizados.
O PNUD orienta as comunidades a adotarem um papel ativo no manejo dos recursos hídricos e promove o fornecimento de água segura, sistemas e tecnologias de saneamento sustentáveis.
P- Por que se considera a questão do esgotamento sanitário uma das mais esquecidas dos ODMs?
R- O esgotamento sanitário, como problema, é um órfão político. Muitos países têm vários ministérios com uma responsabilidade apenas parcial nesse assunto. Mais ainda que a água, o esgotamento sanitário sofre uma combinação de fragmentação institucional, débil planejamento nacional e escasso status políticos.
A pobreza é outra barreira. Os lares mais pobres carecem de capacidade financeira necessária para adquirir instalações sanitárias. Metade dos 2,6 bilhões de pessoas sem serviços de esgoto adequado vive com renda diária inferior a US$ 2,00. E os pobres são menos capazes de influir na tomada de decisões. Mas, há outros fatores. Entre eles a demanda por moradia e a desigualdade de gênero. As mulheres tendem a dar mais importância ao serviço de esgoto do que os homens, mas as prioridades femininas têm menos peso no orçamento familiar.
P- Como pensa que as organizações da sociedade civil dedicadas ao problema do saneamento devem chamar a atenção dos meios de comunicação e dos doadores?
R- A Força de Trabalho sobre Água e Saneamento da ONU desenvolve uma estratégia de comunicação para despertar consciências a respeito, tanto entre políticos e funcionários governamentais quanto no público em geral. As atividades planejadas incluem vários meios e iniciativas, como campanhas no rádio, concurso fotográfico, patrocínios corporativos e programas escolares, entre outros.
(IPS/Envolverde)
Palavra suja
P- Por que o esgotamento sanitário e os dejetos humanos são problemas pouco presentes no debate público. O que se pode fazer para mudar essa mentalidade?
R- O esgoto é uma palavra suja em muitas culturas. Talvez o maior obstáculo seja o estigma ao qual está associado. É parecido com o que acontece em relação à AIDS, mas, ao contrário desse caso, o tabu cultural e social associado ao esgoto permanece intacto. Em parte por isso o tema não se destaca no debate público. Devemos começar a falar sobre “merda” e despertar consciências sobre os assombrosos custos do déficit de serviços de esgotamento sanitário. Temos de reconhecer que o acesso a esse serviço é um direito básico.
Número trágicos
P- Quais são as conseqüências da falta de saneamento entre as crianças?
R- Aproximadamente 1,8 milhão de crianças morrem por ano devido à diarréia, o que representa 4.900 mortes por dia. Isto equivale à população menor de 5 anos de Londres e Nova Yorque juntas. O acesso ao saneamento é um dos fatores mais fortes de sobrevivência infantil: a transição de um saneamento sem melhoria para um melhorado reduz em 1/3 a mortalidade infantil.
Calcula-se que a cada ano se perde 443 milhões de dias de aula por culpa de doenças relacionadas com a água. As mulheres e as meninas não somente precisam de instalações com banheiro para defecar. Também necessitam de privacidade e dignidade quando estão menstruadas. Calcula-se que uma em cada 10 meninas africanas em idade escolar deixa de ir à aula durante o período de menstruação ou, então, abandona de vez os estudos por falta de serviços sanitários adequados. Em um distrito de Bangladehs, o de Noakhali, a instalação de serviços de água e esgoto em uma escola aumentou em 11% a presença das meninas.
P- Quais regiões do mundo são as mais afetadas pela falta de um saneamento adequado?
R- Enquanto Ásia oriental e do Pacifico, América Latina e o Caribe mais o mundo árabe estão perto de cumprir o Objetivo de Desenvolvimento da ONU para o Milênio sobre saneamento, outras regiões, como Ásia meridional, África subsaariana, além de países em zonas diversas precisam acelerar o processo para cumprir a meta.
Em termos de quantidade de população sem acesso a um saneamento melhorado, a Ásia oriental e o Pacifico são as regiões mais afetadas, com 958 milhões de habitantes sem saneamento, seguidas da Ásia meridional com 926 milhões, África subsaariana com 436 milhões, América Latina com 119 milhões e os Estados árabes com 80 milhões.
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