Moradores de Buenos Aires se unem por rios limpos

Rio Riachuelo

Marcela Valente, da IPS

Buenos Aires, 20/06/2007 – Cansados de pedir a limpeza dos rios, moradores e ambientalistas da cidade e da província de Buenos Aires, região dos cursos de água mais contaminados da Argentina, criaram uma nova entidade que dará voz às reclamações de todas as bacias afetadas.

Sob o lema “Buenos Aires se abraça pela vida”, mais de 300 pessoas de 120 entidades preocupadas com a contaminação dos rios Riachuelo, Reconquista e Rio da Prata uniram suas vozes pela primeira vez no Primeiro Encontro do Espaço Interbacias RRR.

O encontro foi no bairro de La Boca, às margens do Riachuelo, o rio mais contaminado do país e que marca o limite sul da capital federal. Durante seis horas, cerca de 60 oradores se revezaram para apresentar propostas reunidas no documento final, ou Declaração de La Boca. O caso do Riachuelo – contaminado por efluentes clandestinos de indústrias e esgotos sem tratamento em uma área onde vivem 3,5 milhões de pessoas – chegou em 2006 à Suprema Corte de Justiça, que convocou em audiências públicas governo, empresas e moradores para encontrar uma solução definitiva.

Mas mesmo com a intervenção desse tribunal, as ações para sanear o rio atrasaram e os moradores se mostram desconfiados. Por meio de uma lei nacional ficou estabelecido um comitê de bacia com representantes dos governos nacional e provincial e da cidade de Buenos Aires, mas o novo grupo nunca havia se reunido. Já o Reconquista passa pelo norte da capital até desembocar no delta do Rio Paraná, na localidade de Tigre, na capital, e em seguida no Rio da Prata. Cerca de 12 mil fábricas localizadas em suas margens e a falta de esgoto fizeram deste curso de água o segundo mais sujo do país.

“Há 14 milhões de almas no espaço destas bacias e gostaríamos que todos esses cidadãos aparecessem neste novo espaço para que o poder político não ignore está realidade”, disse à IPS Alfredo Alberti, da Associação de Moradores de La Boca e um dos coordenadores do encontra. Jorge Carcavallo, da Assembléia Delta e Rio da Prata, assegurou que o encontro superou as expectativas. Muitas das 300 pessoas permaneceram de pé por horas durante o debate para ouvir exposições de grande qualidade. Foi proposto um recesso para descanso, mas todos preferiram continuar, acrescentou.

“Estamos em um novo momento ambiental porque o sofrimento já é extremo, supera todos os limites, e não restam dúvidas de que a curva de deterioração destas bacias tem de começar a mudar”, disse Carcavallo à IPS. O representante da Assembléia Delta ressaltou que pela primeira vez centenas de pessoas trabalharam de forma “harmônica e eficiente” para elaborar um conjunto de ações. Dividiram-se em comissões de trabalho, redigiram um documento final e fixaram data para outro encontro no dia 22 de julho em Tigre, junto ao delta do Paraná.

O objetivo era colocar o problema da contaminação dos rios na agenda pública para “terminar com o cerco da indiferença social e governamental. Construir cidadania”, levando os moradores a exigir seu direito de viver em um ambiente são e gerar uma ampla participação social. Durante as deliberações, os assistentes propuseram que o encontro fosse um “ponto de partida” para a formação de um comitê de bacia único com participação dos cidadãos e com poder de decisão.

Também decidiram exigir a declaração de emergência hídrica, sanitária e ambiental na província e na cidade de Buenos Aires, denunciar na Justiça os funcionários envolvidos na política ambiental por “descumprimento de deveres” e exigir fundos públicos destinados ao saneamento. “Há recursos para saneamento ambienta para este ano, do qual em junho foi usado apenas 1,7%. Isso revela que falta vontade política para agir”, criticou Carcavallo. Este ativista destacou que exigem apenas que os funcionários “façam seu trabalho”.

Nas conclusões, os assistentes concordaram em exigir que se considere a “água como um recurso natural” e o acesso a ela como um “direito humano”. Reclamaram, ainda, maior educação ambiental, controle pela sociedade das obras de água, esgoto e saneamento e proteção de aqüíferos. A assistência também decidiu rejeitar a instalação da empresa espanhola ENCE, que pretende construir uma fábrica de celulose na margem Uruguaia do rio da Prata. Esse plano esteve concebido inicialmente para o rio Uruguai, também limítrofe entre os dois países, mas diante da rejeição de moradores argentinos a empresa decidiu mudar sua localização. Os ativistas acertaram trabalhar sob o conceito de “unidade na diversidade”, conceber o novo espaço como um lugar para acumular e trocar conhecimentos e experiências e nomearam um delegado por bacia para representá-los.

(IPS/Envolverde)

Camponeses nicaraguenses semeiam água

José Adán Silva – MANÁGUA, 25 de junho (Terramérica)

Há mais de seis anos, habitantes da comunidade rural de Lomas del Viento, no Oceano Pacifico nicaragüense, assumiram a tarefa de ressuscitar os dez mananciais que estavam secando por causa do desmatamento de florestas vizinhas. E conseguiram. Lomas del Viento é uma pequena vila de produtores agrícolas que há mais de 200 anos moram em algumas colinas, 22 quilômetros ao sul do município de Santa Teresa, no Departamento de Carazo, sudoeste do país. A região sempre foi de floresta, de montanhas pródigas em flora e fauna, com abundantes olhos de água e rios. Porém, há cerca de 12 anos tudo começou a mudar.

Pouco a pouco, os camponeses foram invadindo as florestas das colinas e promovendo queimadas para poderem plantar grãos para o consumo, contou ao Terramérica Maria Margarita Carmona, nascida nesse lugar. Outras famílias, diante da pobreza e impossibilidade de conseguir empréstimo para fazer a terra produzir, venderam suas propriedades a negociantes de madeira e criadores de gado que, após cortarem as espécies madeiráveis, arrasaram as florestas menores para converter em pastos, acrescentou. “Nos deu medo quando os rios começaram a secar e tivemos de buscar água quilômetros acima nas montanhas”, disse Carmona.

Camponeses nicaraguenses semeiam água II

Dos dez mananciais que saciaram a sede de várias gerações em Lomas del Viento, seis anos atrás só restavam dois à disposição das famílias dos arredores, contou ao Terramérica Marcial Umaña, dirigente comunitário. Os outros oito estavam secos e cheios de escombros da construção de uma estrada, que leva os turistas ao refúgio de vida silvestre de Chacocente, nas praias do Pacifico.

Na prefeitura não havia recursos, mas sim dados que os conduziram até a organização não-governamental Terra e Vida. Segundo Reinerio Mongalo, técnico dessa entidade, uma equipe de especialistas fez três descobertas em Lomas del Viento: seu potencial turístico, o escorrimento da água para camadas mais profundas do solo e – o mais preocupante – um ritmo de destruição ambiental que poderia deixar as encostas de uma ampla serra aptas somente para a pecuária. Ou mudam os métodos de produção agrícola ou digam adeus às suas últimas florestas e rios, disseram os técnicos da Terra e Vida.

“Ficamos muito impressionados com a alternativa. É difícil aceitar o desaparecimento de todas as florestas de onde alguém se criou, aquelas árvores gigantes e aqueles rios bravos”, disse Marcial Jáenz, jovem que agora administra o projeto turístico comunitário de Lomas del Viento.

Enquanto alguns plantaram 20 mil árvores em áreas destruídas pelo corte, outros limparam os mananciais que haviam perdido, reflorestaram suas bacias e as cercaram com plantas naturais. Após seis anos de esforços, a comunidade comprovou que os oito mananciais cheios de lama e lixo voltaram a dar água. As árvores gigantes que foram conservadas começaram a ser povoadas de macacos uivador (Alouatta palliata) e de aves que há anos não eram vistas na área, e sumiram as nuvens negras que eram produzidas anualmente pelas queimadas para a semeadura com a entrada do inverno.

Desde que foi oficialmente inaugurado o projeto turístico rural, há 16 meses, cerca de 1.560 turistas estrangeiros e nacionais percorreram caminhos e viram o milagroso ressurgimento de águas cristalinas. Este ano, o Ministério da Saúde certificou que a água que brota de todos os mananciais de Lomas del Viento é própria para consumo humano.

* O autor é colaborador da IPS

LINKS EXTERNOS

+ Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento na Nicaráguawww.undp.org.ni

+ Centro Alexander von Humboldt – www.humboldt.org.ni.

Leave a Reply

Your email address will not be published.