Quanto valem os recursos naturais?

Valor dos banhados: US$ 4,8 trilhões. Funções básicas: manutenção da integridade dos ecossistemas em resposta às mudanças ambeintais e regulação do desperdício.

Uma segunda revolução industrial está em marcha e nela o que vale não são as barras de ouro ou os barris de petróleo. O capital dessa nova forma de produzir são as florestas, os mares, os lagos, a flora e a fauna. São os recursos naturais que começam a ganhar valor à medida em que os próprios empresários se dão conta de que não podem ser fabricados e nem substituídos. O mentor dessas idéias é o físico e consultor ambiental norte-americano Amory Lovins, que conversou com a equipe da Aguaonline sobre seu livro O Capital Natural – Criando Uma Nova Revolução Industrial, lançado em 2000, no Brasil.

Considerado uma das personalidades do século nos Estados Unidos Lovins, que ganhou fama pregando economia de energia, dedica uma boa parte de seu livro a ressaltar a importância de que seja adotada uma nova forma de se ver a água. Ele defende “um caminho suave (soft path)” em substituição a uma “abordagem dura (hard path)”, como vem sendo feito até aqui e onde o abuso e o desperdício estão acabando com as fontes de abastecimento. “Os governos, os serviços públicos e os próprios usuários estão fazendo com a água o mesmo que fizeram com a energia: esgotando os mananciais, usando água tratada para tudo, aumentando os sistemas de abastecimento, em lugar de torná-los mais produtivos, e falhando na proteção e no aproveitamento dos serviços que os ecossistemas vêm prestando ao homem durante séculos” diz Lovins. Ele explica que a chave do caminho suave é usar a tecnologia e o gerenciamento dos sistemas de modo a se ter o mesmo serviço – ou até ter uma performance melhor – com menos água e geralmente com menos gasto e com menor infra-estrutura.

Um exemplo de como fazer com que cada gota de água seja usada eficientemente é parte importante da doutrinação em busca do “caminho suave” e começa a partir da constatação de que essa gota bem usada ajuda a manter o suprimento, contribui para baixar o montante da conta mensal, reduz a necessidade de tratamento de esgoto, protege o meio ambiente e cria saúde. Todos ganham:

Consumidores: com torneiras, chuveiros e descargas economizadoras cai o consumo doméstico e a conta é reduzida para a água e o esgoto. Também se obtém redução no uso de energia para aquecimento da água.

Comunidades: Em muitos lugares há escassez de mananciais sendo preciso trazer água de longe. Com isto é necessário um aparato de bombas, adutoras e reservatórios. Usando racionalmente o produto os recursos para esse aparato podem ser empregados em outras áreas.

Instalações: O uso eficiente permite uma melhor previsão das necessidade de expansão e reduz as dificuldades das horas de pique. É cada vez maior o número de empresas que fornecem descontos para usuários que utilizarem equipamentos economizadores.

Companhias: Racionalizando o uso da água se obtém economia nos custos de operação,como energia, produtos químicos e até mesmo horas de trabalho no sistema.

O meio ambiente: a água não consumida ajuda a evitar a construção de uma barragem e pode salvar um banhado da destruição. Água não aquecida representa gás não consumido, carvão não queimado, carbono não liberado para causar efeito-estufa.

Economia: Dinheiro que não precisa ser gasto para tratar mais esgoto ou aumentar a produção de energia pode ser usado para criar empregos e fortalecer a economia local.

Um dos exemplos que ele cita é o do valor das florestas: “elas produzem um recurso com valor de mercado que é a madeira. Mas também têm um outro produto, que não é valorizado monetariamente, que é o serviço de ecossistema, de regulação das bacias hidrográficas, de controle do clima e atmosfera, de servir de habitat para a biodiversidade e de contribuir para nosso conforto espiritual. Então, se nós não pusermos estes valores na balança corremos o risco de, juntamente com a extração da madeira, liquidarmos também com os outros recursos. Isto é alguma coisa que um capitalista prudente não deve fazer se quiser continuar com seu negócio por muito mais tempo”.

Ele narra um outro exemplo de mau uso das florestas que aconteceu recentemente no Vale do Yan-Tse, na China. Com o desmatamento de uma extensa área ocorreu uma grande enchente, na época das chuvas. O resultado foi que mais de 250 milhões de pessoas ficaram desabrigadas, aconteceram mais de 3.000 mortes e prejuízos de mais de US$ 30 bilhões em perdas agrícolas e de fábricas destruídas. E para tentar reparar o dano foi necessário reinvestir mais de US$ 12 bilhões. “O que foi, definitivamente, um péssimo negócio” disse.

Caminho suave

Valor das florestas: US$ 4,7 trilhões. Funções básicas: cadeia alimentar e regulação do clima.

Algumas das vantagens do “caminho suave”

1. Economia de energia pela redução do aquecimento, bombeamento e tratamento.

2. Redução do tratamento de esgoto – menor consumo de água gera menos esgoto.

3. Menor investimento em instalações.

4. Redução da necessidade de infra-estrutura – novos sistemas podem ser adiados, minimizados ou eliminados.

5. Melhoria dos processos industriais, abrindo caminho para inovações no design.

6. Aumento da produtividade – instalações com baixo consumo de água e energia proporcionam um ambiente mais agradável para os trabalhadores.

7. Imagem positiva – as organizações que protegem o meio ambiente obtêm uma imagem pública favorável o que lhes dá vantagem competitiva.

8. Benefícios ambientais – usando menos água sobra mais para os mananciais locais, banhados e seus habitantes naturais.

Amory B. Lovins é um dos fundadores do Instituto Rocky Mountain (RMI), fundação de ensino e pesquisa e difusão de novas práticas de gestão ambiental e empresarial. O seu trabalho é centrado na melhoria da produtividade tanto para indústrias, como a automobilística, bens imobiliários, eletricidade, água, semicondutores,etc. É autor ou co-autor de 26 livros (incluindo o Capitalismo Natural).

Renovável mas finito

Valor do solo: US$ 906 bilhões. Função básica: produção de alimentos

“Nós partimos de uma constatação básica: a água é um recurso valioso, renovável, mas finito. E até agora nem o mercado nem os governos e nem os usuários vinham lhe dando o justo valor. E o que muitos não querem acreditar é que quando se começa a pôr em prática as medidas certas todos ganham: o meio ambiente, a economia e até mesmo a busca pela equidade social” diz.

À semelhança do que acontece com o ciclo da água na natureza o “caminho suave” procura integrar as diversas etapas: o abastecimento da água se beneficia com o tratamento dos esgotos, com o aproveitamento da água da chuva, que ajudam a proteger e restaurar a própria capacidade do ecossistema de produzir mais água limpa. Se tudo isto estiver funcionando será muito mais barato utilizar esses serviços

Usando a água de maneira mais eficiente podemos proteger o meio ambiente, economizar energia, reduzir ou adiar os investimentos em infra-estrutura e trabalhar pela melhoria dos processos industriais. O sistema inteiro mostra que as medidas de uso eficiente da água representam uma efetiva economia para consumidores, empresários e sociedade” diz o consultor ambiental.

Um dos pilares do uso eficiente da água é o combate incessante às perdas – no caso do Brasil a média de perdas nos sistemas de abastecimento é de 40% – de modo a produzir o que é necessário para o uso. “Um sistema não deve ser dimensionado para tratar água para irrigação ou para servir como descarga para o banheiro ou outros usos menos nobres. Esses usos podem ser perfeitamente cobertos por outras formas de tratamento de água, inclusive o reuso”.

Capitalismo natural

Aumentar a eficiência no uso dos recursos naturais pelo menos em quatro vezes e finalmente em 100 vezes. É muito mais do que eco-eficiência.

2 – Eliminação do conceito de lixo pela adoção dos padrões, processos e materiais biológicos. Não apenas gastar menos ou colocar um lixo menos denso na lixeira. É não ter lixeira. A natureza não produz lixo. O que é resíduo de um serve de comida para outros.

3 – Trocar a estrutura da economia mudando o foco do material e da fabricação de produtos para a criação da corrente de utilidade (espécie de leasing: entrega e coleta após o uso para reciclagem e reaproveitamento da matéria-prima).

4 – Reverter a destruição planetária investindo no capital natural e restaurando os ecossistemas

Brasil entra na prática do pagamento por serviços ambientais

Preservar o meio ambiente tem que ser mais lucrativo do que destruir. Essa é idéia difundida em nível mundial, e que já começa a ser colocada em prática, chamada de pagamento por serviços ambientais. O objetivo é diminuir o ritmo da destruição ambiental e promover a recuperação da biodiversidade por meio de estímulos financeiros.

Para discutir a aplicação deste instrumento, o Centro em Estudos da Sustentabilidade (GVCes) da Fundação Getúlio Vargas, o Forest Trends e o Kattomba Group promoveram a Conferência Internacional Pagamentos por Serviços Ambientais: proteção do capital natural para as presentes e futuras gerações, que aconteceu nos dias 03 e 04 de outubro, em São Paulo.

Na Conferência, a empresa O Boticário lançou o Projeto Oásis, que vai destinar R$ 12 milhões em dez anos (metade em recursos próprios e metade de terceiros) para garantir a qualidade da água da represa Guarapiranga, que abastece São Paulo e que é fornecida à aproximadamente 3,8 milhões de pessoas. Esses valores serão usados para compensar financeiramente donos de áreas próximas à represa que se comprometerem a, pelo menos, não estragarem a cobertura florestal da região. A temática de pagamento por serviços ambientais é nova no mundo inteiro e estratégica para a implementação do desenvolvimento sustentável.

É um mecanismo que remunera ou recompensa quem protege o meio ambiente e os serviços que ele oferece, entre eles, pode-se destacar a produção de água, o equilíbrio climático e a conservação de paisagens. A idéia é que não basta apenas cobrar uma taxa de quem polui ou degrada, mas é preciso destinar recursos a quem garante a oferta do serviço.

Em países como o Brasil, onde dificilmente recursos públicos financeiros são aplicados na área ambiental, esse instrumento é um caminho para solucionar a falta de um fluxo estável de recursos por parte do governo. Para o secretário-geral do Funbio, Pedro Leitão, esse novo modelo é uma ferramenta que possibilita ao mercado promover a conservação do meio ambiente.

– Pagar por serviços ambientais é uma solução para um problema criado essencialmente pelos nossos padrões de produção e consumo. A verdade é que enquanto não se valorar a natureza, não se terá êxito nessa questão – afirma Pedro Leitão, lembrando do exemplo da Costa Rica, que incorporou a idéia de Pagamentos por Serviços Ambientais em sua estratégia nacional. Por meio da cobrança de uma taxa sobre a gasolina, o país obtém recursos para destinar à proteção de florestas.

Atualmente alguns fundos ambientais estaduais – como os dos recursos hídricos – são formados pela contribuição de empresas que utilizam os mananciais para geração de energia. Neste caso funciona como uma espécie compensação ambiental pela inundação de áreas para formação dos reservatórios das hidrelétricas. Uma outra variante dessa modalidade é o chamado ICMS ecológico utilizado por alguns Estados e que permite a dedução de impostos que são utilizado para o financiamento de ações ambientais.

A diretora-executiva da Fundação O Boticário, Maria de Lurdes Nunes, informa que já foram identificadas cerca de 200 propriedades na região do projeto, que inclui além da represa do entorno da Guarapiranga, as áreas de proteção ambiental de Capivari-Monos e Bororé-Colônia. De acordo com o levantamento da Fundação, as nascentes dessa região – de 90 mil hectares, sendo quase 50% cobertas por vegetação natural – abastecem cerca de 4 milhões de pessoas.

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