Rogério Grassetto Teixeira da Cunha
A palavra “porco” costuma evocar idéias negativas nas pessoas, sendo sinônimo de sujo e sem higiene. Apesar dos esforços da suinocultura industrial no Brasil (que possui reconhecidos padrões de qualidade) em modificar a imagem do animal, é fato que os suínos geram uma quantidade enorme de dejetos, problema amplificado pela sua produção altamente intensiva. Se não forem tratados estes dejetos, disposto inadequadamente no ambiente, causam a poluição de rios e lagos, o que por sua vez acarreta a diminuição da qualidade da água para consumo humano, disseminação de doenças, mortandade de peixes, com outros efeitos vindo em cascata.
Mas há mais vantagens. O produtor pode reduzir custos, ao economizar gás e/ou energia elétrica. Assim, além de evitar a poluição dos rios, o uso do biogás pode reduzir a demanda por gás de cozinha ou por energia elétrica. Claro que o efeito isolado sob o ponto de vista energético e de aquecimento global é pequeno, mas, se um percentual grande de propriedades passar a adotar este esquema, ele pode representar algo mais significativo. E, nesta guerra contra o aquecimento e o uso desvairado de recursos naturais, qualquer ajuda é bem-vinda.
Outra vantagem é a utilização da sobra dos dejetos, após a passagem pelo biodigestor. Este resíduo pode ser utilizado como fertilizante para agricultura (normalmente, após uma etapa adicional de tratamento e tomando-se alguns cuidados), possuindo teores consideráveis de nitrogênio e fósforo, mas com uma probabilidade de disseminação de doenças reduzida. O uso de dejetos animais como fertilizante, particularmente os de suínos, já vem ocorrendo há algum tempo como forma útil de eliminação dos mesmos. Porém, o uso agrícola sem tratamento, muito comum ainda, gera problemas semelhantes ao descarte puro e simples nos rios.
Com tantas vantagens, por que o uso de biodigestores não é mais comum ou mesmo estimulado? Bem, quando a idéia aportou por aqui, no final dos anos 70, a prática até foi incentivada e teve uma procura razoável. Mas os projetos precisam ser cuidadosamente planejados de acordo com as características e tamanho das propriedades e é necessária assistência técnica qualificada aos produtores. Como isto não ocorreu, esta primeira leva de biodigestores acabou se esvaindo.
Com a entrada em vigor do Protocolo de Quioto, houve um interesse renovado pelos biodigestores. Como eles permitem uma redução na emissão de gases do efeito estufa em relação a outros métodos de tratamento de dejetos, a sua implantação pode permitir a comercialização de créditos de carbono, ou seja, dejetos virando dinheiro. O interesse é tanto que, em diversas propriedades no Brasil, a instalação dos biodigestores está sendo financiada (a custo zero) por empresas internacionais interessadas nos créditos. O produtor compromete-se a fornecer os dejetos e as informações necessárias ao cálculo dos créditos e recebe parte do lucro de sua comercialização, recebendo o biodigestor depois de 10 anos em regime de comodato.
Com a implantação em larga escala dos biodigestores e com o devido apoio técnico e cuidados na aplicação de biofertilizante, podemos ter uma solução que favorece a todos: o produtor, pois se livra de um problema sério e ainda ganha com isto (energia barata, fertilizante e agora dinheiro); o meio ambiente local, com uma poluição reduzida; e o ambiente global, com uma redução de emissões de gases.
Além disso, não há qualquer razão que nos impeça de também aplicar a idéia na criação de aves (que cresce em ritmo acelerado no Brasil), de bovinos, ou mesmo no tratamento de esgoto doméstico. Neste caso (se for tecnicamente viável), o poder público poderia contar com uma fonte de energia limitada, mas barata.
Gás para o efeito-estufa
Mas pior do que isso, os dejetos suínos (e de animais em geral, incluindo os dos seres humanos) também têm influência sobre o efeito-estufa.
A razão para isto é algo complexa. Estes dejetos são normalmente acumulados em grandes quantidades, o que favorece a sua decomposição anaeróbica, ou seja, sem oxigênio. Quando a decomposição de qualquer matéria orgânica (e dejetos não passam de matéria orgânica pura) se dá na presença de oxigênio, o resultado principal é a liberação de gás carbônico para a atmosfera. Isto, por si só, não interfere na conta do efeito-estufa, pois este volume de gás carbônico (mais aquele resultante do consumo e digestão da carne) é equivalente ao que foi retirado da atmosfera pelas plantas que produziram a ração dos animais. Mas na ausência de oxigênio, os microorganismos decompositores produzem outras substâncias, dentre elas o gás metano, aparentado quimicamente do gás de cozinha, que possui um efeito de aquecimento da atmosfera vinte vezes maior que o do gás carbônico. Neste caso, a “conta do aquecimento” não fecha.
É aí que entram os biodigestores, estruturas hermeticamente fechadas nas quais se acumula grande quantidade de dejetos (ou de qualquer matéria orgânica). Com isto, estimula-se a digestão anaeróbica da matéria orgânica e, por conseqüência, a produção de metano, gerando um produto final chamado de biogás.
Este gás pode ser utilizado de diversas formas após ser purificado, seja em equipamentos adaptados a uma menor pressão em relação aos botijões (fogões, aquecedores, lampiões), seja em geradores de energia elétrica. Assim, apesar de o processo inicialmente estimular a produção do danoso metano, acaba por gerar somente gás carbônico e água, que são os resultados da queima do biogás, como se tivesse havido somente digestão aeróbica.
Autor
Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews.
E-mail: rogcunha@hotmail.com.
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