Renato Gianuca
O ambientalismo vai bem, ao menos no Rio Grande do Sul. Foi o que se viu em Porto Alegre, de 19 a 21 de maio 2006, durante o 1º Congresso de Jornalismo Ambiental, realizado pelo Núcleo de Ecojornalistas gaúchos (NEJ-RS), com o apoio de 12 entidades. O auditório da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal (UFRGS) recebeu cerca de 150 participantes inscritos. Objetivo: debater de que maneira os jornalistas interessados no meio ambiente poderiam servir como pontes para a formação da cidadania e da educação ambiental da sociedade.
Na noite de sexta (19/5), o professor Wilson Bueno, da ECA-USP e do Programa de Pós-Graduação da Umesp, abriu o evento afirmando: “O jornalismo ambiental deve semear a sua própria utopia”. Crítico severo da globalização, Bueno não aceita um jornalismo que se pretenda neutro. Para ele, o jornalismo ambiental deve ter forte compromisso com o interesse público e com a ampliação e democratização do debate, e isso sempre com um viés ético.
Polêmico, Bueno criticou os cientistas e os pesquisadores acadêmicos vinculados, na sua visão, a “uma lógica puramente racionalista”. Ele acredita que o modelo ambiental sustentável deve ser colocado acima das questões econômicas. Destacou a contradição “insuperável” do atual paradigma econômico, com sua ânsia por um “crescimento” infinito diante da realidade de um planeta e seus recursos naturais finitos.
O jornalista uruguaio Victor Bacchetta, membro-fundador da Rede de Comunicação Ambiental da América Latina e Caribe (Rede CALC), salientou na sua intervenção a postura de não-neutralidade no jornalismo ambiental. Pela necessária seleção da pauta de temas a serem abordados, entre milhares de outros, se esvai qualquer ilusão de neutralidade. “Ou seja: o jornalismo ambiental, caso pretenda ser gerador de cidadania, deve deixar de lado opiniões pessoais e partidárias, apresentando, com a melhor qualidade possível, os fatos e os dados, para que o leitor possa compreender o tema, sua origem e sua evolução, permitindo-lhe formar sua opinião própria”, disse.
Na manhã de sábado (20), o painel “Ética, Jornalismo e Cidadania Ambiental” retomou as atividades do congresso. Aí surgiu a primeira denúncia do encontro: a jornalista Elizângela Soldatelli, do Núcleo Amigos da Terra (NAT-Brasil), relatou recente incidente com o jornal Zero Hora, o principal meio impresso do Grupo RBS. Pois o NAT-Brasil queria publicar anúncio pago sobre irregularidades na licença concedida à construção da hidrelétrica de Barra Grande. Como se sabe, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), necessário à autorização para tocar o empreendimento às margens do Rio Uruguai, escondeu um dado indispensável: a barragem irá liquidar com áreas primárias de araucárias, destruindo o meio ambiente da região.
Zero Hora não aceitou publicar o anúncio pago da entidade ambientalista. A saída: publicar o mesmo anúncio em outro jornal local, o segundo mais importante da mídia impressa gaúcha, o Correio do Povo. Soldatelli, com o apoio dos presentes, manifestou sua indignação pela forma como as questões ambientais são tratadas pela mídia corporativa gaúcha.
O filósofo Vicente Medaglia, do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais, afirmou em sua intervenção os ensinamentos de Aristóteles sobre as questões éticas. Ele declarou que “o modelo consumista de felicidade é insustentável”. E deixou claro que, para ele, “a mídia é financiada por um sistema insustentável”. O jornalista Roberto Vilar Belmonte, da revista Campo Aberto, introduziu outra questão: “Todo o esforço do jornalista ambiental não teria por finalidade última defender a vida?” Deste ponto de vista, Vilar criticou os investimentos nas mídias por parte de empresas e de governos: “Se defendemos a vida, não podemos firmar parcerias com indústrias da morte, como a de agrotóxicos, a de tabaco, entre outras”.
Na tarde de sábado ocorreu o painel “O Meio Ambiente na Imprensa Gaúcha”, com a participação dos jornalistas Cecy Oliveira (revista digital Água Online), Tatiana Tavares (Caderno Ambiente de Zero Hora), Cláudia Viegas (agência de notícias Ambiente JÁ) e Reges Schwaab (Programa Ambiente Vivo, da Rádio Unijuí FM). Todos painelistas apresentaram suas realizações, problemas e vitórias nas respectivas mídias onde atuam.
A esta altura, durante os intervalos para café, alguns participantes perguntavam nos corredores da UFRGS: onde estão os representantes da grande mídia corporativa gaúcha? De fato, nenhuma notícia nos jornais de sábado, nem uma mísera foto-legenda do evento nas edições de sábado e domingo – mesmo com a presença de secretários estadual e municipal na mesa de abertura do congresso, na sexta à noite. Os problemas ambientais do RS são – parece – um “veneno” para a mídia corporativa.
Terra pede socorro
Para um veterano observador, dois pontos básicos destacaram-se neste 1º Congresso de Jornalismo Ambiental: o interesse participativo e a curiosidade da maioria dos jovens estudantes de Jornalismo presentes foram ótimos destaques. Outro ponto, este discutível: a visão quase anticientífica do professor Wilson Bueno, em sua rejeição aos pesquisadores acadêmicos. É certo que há mil correntes do pensamento ecológico e no movimento ambientalista. E muitas beiram o misticismo. Mas rejeitar o modelo econômico da tecnoarrogância vigente não basta para apontar para uma solução viável e sustentável para o planeta e para os humanos. É preciso, sim, trabalhar com modelos científicos, evitando cair em soluções mágicas e/ou quase místicas.
Não se trata, aqui, de negar o conhecimento dos povos indígenas, por exemplo. Como escreveu o jornalista ambiental Washington Novaes, no Jornal da Ciência da SBPC (5/5/2006):
“Se não fôssemos tão preconceituosos, prestaríamos atenção ao que os pajés dessa gente, os nhanderu, transmitem: ‘O Sol está descendo, por causa do que estamos fazendo, e vai esquentar a Terra’. E a Ciência lhe dá toda a razão”.
Convém ouvir, conclui Novaes. Ou seja: o ambientalismo deve buscar, concretamente, alternativas éticas ao que aí está, na busca de uma saída para o impasse econômico-social-ecológico em que vivemos, somando toda sorte de conhecimentos, dos científicos aos chamados “temas exóticos”.
Mas é preciso agir já: a Mãe Terra pede socorro, e o tempo está se esgotando.
Jornalismo Precário
Em evento desta natureza, muitas questões ficaram no ar. Por exemplo, não foi levantado pelos presentes o recente acordo (de 12/5/2006) entre a Secretaria do Meio Ambiente do RS, a Fepam (Fundação do Meio Ambiente-RS) e o Ministério Público do RS para “viabilizar o plantio de eucalipto no Estado”. Assinado um termo de compromisso de ajustamento, mediante algumas condições, estão liberados, ainda em 2006, os polêmicos empreendimentos particulares para o plantio de florestas no estado gaúcho.
Para o presidente da Fepam, Antenor Ferrari, estaria aberta, assim, “uma grande alternativa econômica e de geração de empregos para a Metade Sul do Estado”. Seriam investidos, segundo ele, cerca de 3,5 bilhões de dólares na área da sivicultura. Já o secretário estadual do Meio Ambiente, Cláudio Dilda, reconheceu: “Mesmo tendo que suportar o ônus de uma iniciativa polêmica, vamos desenvolver essas atividades com maior tranqüilidade, a partir de agora, com o respaldo do Ministério Público”.
Nunca será demais relembrar: o controvertido plantio de florestas de pinus e de eucalipto no Rio Grande do Sul motivou o recente caso da invasão da Aracruz Celulose – tão explorado pela mídia corporativa local, nacional e internacional.
No painel final de sábado, seis professores de jornalismo de faculdades de Porto Alegre e interior do estado discutiram a importância da formação acadêmica e da qualificação dos jornalistas ambientais. Uma das painelistas, Ada Cristina Machado de Oliveira, chefe do Departamento de Ciências de Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria, permitiu-se um desabafo: deixou as redações para ingressar na academia, depois de lutar contra o que chamou “jornalismo precário” praticado nos dias de hoje – motivo, segundo ela, de crescente insatisfação dos profissionais com a própria mídia em que trabalham.
No encerramento do congresso, domingo (21/5), o dia frio mas com um sol tímido, após as chuvas da semana, permitiu um contato mais direto com a informação ambiental. Os participantes fizeram roteiro guiado pela Fundação Zoobotânica do RS, para fechar com novos conhecimentos e belas paisagens o encontro, que foi – ao que tudo indica – um novo marco na história do jornalismo ambiental gaúcho e do jornalismo-cidadão.
Autor
Renato Gianuca, jornalista profissional desde 1965. Trabalhou em Zero Hora (65-67), Correio do Povo (67-73), Diário de Notícias (74) e Zero Hora (74-1994). Foi ass. de Imprensa da Sec. de Planejamento do Estado do RS (1994-2002). Trabalhou p/ a agência de notícias on line CARTA MAIOR (SP) nos anos 2002-2003).
Começou a escrever sobre os problemas do meio ambiente no Correio do Povo (anos 69-70-71 e 72), nas edições dominicais. Atualmente, colabora, como free-lancer, para vários sites (Observatório da Imprensa – SP e RJ; Fazendo Média (RJ e RS). ColetivaNet (RS); e Jornal da Ciência on line da SBPC (Soc. Bras. p/ Progresso da Ciência), entre outros; e escreve p/ jornais sindicais do RS e do RJ.
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