María Amparo Lasso*
MÉXICO – A multinacional francesa da água Suez, vilã favorita do movimento global contra a privatização, entrou na reta final de sua retirada da Argentina e da Bolívia, onde vem preparando as malas faz tempo. E, tanto quanto demorou para partir, poderá demorar para regressar à América Latina.
O governo argentino do presidente Néstor Kirchner anunciou, no dia 21 de março, a rescisão do contrato de 30 anos com a Águas Argentinas, subsidiária da Suez, a qual acusou de “reiterados descumprimentos”.
A medida causou uma escalada de tensão na conturbada negociação entre as autoridades argentinas e a companhia que já durava três anos, prejudicando as relações diplomáticas com a França.
Sem a concessão na capital argentina, pela qual fornecia água a cerca de dez milhões de pessoas, e com um decreto presidencial de 2005 que rescinde seu contrato na Bolívia, restam à multinacional negócios hídricos em apenas dois países da região: Brasil e México.
Embora se trate das economias mais poderosas da América Latina, suas concessões nesses países são de pequena envergadura e, inclusive, em algumas aparece como acionista minoritária.
A Suez é um gigante da energia e do gás, cujos lucros chegaram a US$ 3 bilhões em 2005, 48% mais do que em 2004, e também é uma das empresas de água mais poderosas do mundo, com sua divisão Suez Environment.
Há vários anos, a divisão aposta em concessões hídricas em países da Ásia e Europa, considerados mais estáveis do que os latino-americanos.
O golpe da divulgação nos meios de comunicação da onda de marchas indígenas contra a Suez, na empobrecida cidade boliviana de El Alto, que acabou na renúncia do presidente Carlos Mesa, no ano passado, foi especialmente implacável.
Em meio a esta ruidosa hostilidade contra as multinacionais da água, o investimento privado no setor entrou em queda na América Latina na última década.
No entanto, tudo indica que haverá batalha legal. Durante três anos de aperta e afrouxa, o governo argentino disse estar disposto a promover uma saída ordenada da Suez, ao estilo da Electricité de France, em 2005.
Entretanto, a decisão de Kirchner de retirar a concessão provocou um giro inesperado nas negociações e a Suez respondeu de imediato que irá à luta.
A empresa continuará com a demanda, que apresentou no tribunal de arbitragem ligado ao Banco Mundial, para recuperar U$ 1,7 bilhão que afirma ter investido no país desde 1993.
Esta postura aumentou a indignação em diversos setores dentro e fora da Argentina. “Estão pedindo compensações muito altas e injustificadas quando trouxeram mais problemas do que benefícios, não cumpriram com o acesso ao serviço, nem resolveram a questão da contaminação”, disse ao Terramérica Danielle Mitterrand, ex-primeira dama da França e ativista.
Pode ser que na Bolívia as coisas evoluam de outra forma. Abel Mamani, que liderou as marchas contra a Suez em El Alto e agora é ministro da Água, assegurou ao Terramérica que será garantida uma retirada “ordenada” da companhia.
No final de março, estarão prontos os resultados de uma auditoria na Águas do Illimani, concessionária da Suez, e se decidirá o cronograma de saída. A Suez, no entanto, mantém um discurso conciliatório e, inclusive, está aberta a explorar um novo tipo de contrato na Bolívia.
Porém, o presidente Evo Morales aposta em outro sócio: o Banco Mundial, organismo que no passado qualificou de “terrorista”. Mamani se reuniu com o chefe de Energia e Água, Jamal Saghir, durante o Fórum da Água no México, para buscar acordos.
“Gostaria de trabalhar com o setor público na Bolívia, eu lhes dou as boas-vindas, mas minha primeira pergunta é: quem pode oferecer serviço de água eficiente aos pobres ao menor custo? Se você me demonstrar que o setor público pode fazê-lo, eu o financio”, disse Saghir ao Terramérica.
Nos anos 90, o Banco Mundial afirmava que as associações com o setor privado eram a via mais idônea para levar água limpa aos mais desfavorecidos. A instituição investiu em diversas empresas, incluindo a Águas do Illimani.
Depois da busca, sem sucesso, por sócios privados para uma nova concessão, Kirchner anunciou, por sua parte, a criação da empresa pública Águas e Saneamento Argentinos para assumir o serviço que a Suez deixará.
O escrutínio público às experiências de Kirchner e Morales será intenso. O desafio não é pequeno: deverão conseguir fornecer água a preços baixos aos mais pobres, tarefa que – acrescentam – a multinacional francesa não conseguiu cumprir.
* A autora é diretora editorial do Terramérica.
Aprendendo com o passado
Alexander Brailowsky, diretor de Desenvolvimento Sustentável da Águas Argentinas desde 1999, defendeu os êxitos da concessão e lamentou a falta de uma política estatal de gestão da água na América Latina, sem a qual “o setor privado, por mais eficiente que seja, não pode cumprir suas metas”.
“Nossas tarifas eram as mais baixas em todo o país, em dez anos cerca de dois milhões de pessoas tiveram acesso à água pela primeira vez e demonstramos que os pobres querem pagar”, disse Brailowsky ao Terramérica.
“Aprendemos com o passado e vamos a outros projetos (na região) quando tivermos um mínimo de garantia de que nossa participação será para benefício de todo mundo”, acrescentou, assinalando que sua empresa sempre apostou em uma saída pacífica da Argentina.
As causas
“Na Argentina foi o choque macroeconômico e a desvalorização do peso que impediram o cumprimento de algumas cláusulas do contrato, e na Bolívia foi a impossibilidade do governo, por questões políticas, de aumentar as tarifas depois de cinco anos”, disse ao Terramérica Jacques Labre, diretor de Relações Institucionais da Suez, que participou do IV Fórum Mundial da Água, realizado no México, em março.
Segundo Labre, esta tendência se explica pelas enormes carências em infra-estrutura na região que obrigam a ajustar as tarifas para cima e a impossibilidade de garantir os subsídios públicos por orçamentos expostos a múltiplas pressões.
As autoridades bolivianas acusam a Suez de pensar apenas em lucro e deixar sem acesso à água cerca de 350 mil famílias, enquanto na Argentina qualificam de “péssimo” seu serviço e denunciam que aproximadamente 300 mil pessoas correm risco de contaminação da água com nitratos.
A Suez explica o fracasso de seus negócios de água na Argentina e na Bolívia por riscos financeiros e políticos que a impediram de obter lucros em um setor com baixas taxas de retorno de investimento (cerca de 5%).
A Suez insistiu reiteradamente em aumentar suas tarifas, congeladas na Argentina em 2002, do mesmo modo que na Bolívia. Porém, os dois países rechaçaram os aumentos por considerá-los exorbitantes (até 400%) e acusaram a empresa de não fornecer serviços de qualidade, enquanto milhares de enfurecidos habitantes foram às ruas exigir a saída da empresa.
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