Júri informal condena governo e empresas

Diego Cevallos (IPS)

Oito magistrados estão processando, no México, a governos e empresas de 10 países de América Latina por cargas de contaminação de rios, lagoas e construção de represas. Suas sentenças serão morais, mas aspiram a atenuar a sensação de injustiça que rodeia cada caso.

“Os processos que aqui se desenvolvem são de muito difícil solução, mas a perspectiva é que com estes julgamentos a comunidade internacional ponha sua atenção sobre o que está acontecendo e que juntos busquemos soluções”, disse à IPS Javier Bogantes, diretor da ONG Tribunal Latino-americano da Água, com sede na Costa Rica. O Tribunal, cujos magistrados estão em seção até o dia 21, emitirá sentenças de culpabilidade, resoluções instando a negociações ou recomendações dirigidas a denunciantes e denunciados.

Os julgamentos são parte de dezenas de atividades, declarações e apresentações de informes que se realizam na capital do México durante o IV Fórum Mundial da Água, que reúne milhares de delegados de governos, ONGs e empresas até 22 de março. O Tribunal, instaurado no âmbito centro-americano no final dos anos 90, passou a ter caráter latino-americano em 2004. A iniciativa, apoiada por grupos de ONgs da Europa, surgiu para enfrentar a “crise de legalidade e a perda da eficácia das leis em temas relativos aos recursos hídricos”, disse Bogantes. Em sua história, incluindo o período na América Central, estudou 30 casos, e agora se prepara para sentenciar sobre outros 13 que correspondem a denúncias provenientes de habitantes e entidades da sociedade civil do Brasil, Bolívia, Chile, Equador, El Salvador, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá y Peru. Do Brasil o processo é sobre caso de um projeto por aterrar com lodos contaminantes parte de uma lagoa no Estado de São Paulo, enquanto da Bolívia se discute sobre os maus serviços prestados durante sete anos por uma empresa privada de água na cidade de El Alto, próxima a La Paz.

No Chile, o julgamento é contra a fábrica de celulose Celco, cujos despejos teriam provocado a morte de cisnes em uma reserva natural.

“Buscamos que o processo se desenrole devidamente com intervenção das partes, mas certamente isso nem sempre se pode cumprir pela resistência dos demandados, reconheceu Bogantes.

Então está claro que a maioria dos acusados será condenada?

“Em geral os casos se vêm sendo debatidos por muitos anos sem nenhum tipo de solução, então é quase evidente de que o júri vai elaborar um veredito crítico”, declarou. “Mas em outros casos não necessariamente se declara um culpado e o que se faz é incentivar a uma negociação ou pedir estudos de impacto ambiental. Também temos tido respostas positivas dos demandados, o que nos satisfaz muito”, acrescentou. Os oito juízes que emitirão resoluções procedem da Argentina, Cuba, Brasil, França, Guatemala e México. Quatro têm atividades ou profissões vinculadas à justiça e o resto procede da área dos recursos hídricos.

De forma paralela, o Tribunal organizou fóruns sobre a “Crise de legalidade e conflitos hídricos na América Latina”. Mesmo que as sentenças do Tribunal não obriguem as partes, seu diretor sustenta que a sua própria existência contribui a golpear a impunidade e a injustiça que existe na região em matéria de acesso à água. Além disso “o número de casos que temos recebido para discussão no México nos dá legitimidade e demonstra que diante da crise de legalidade este tribunal funciona”, sustenta.

Embora a América Latina tenha água suficiente para toda sua população, 77 milhões de seus habitantes carecem de acesso adequado a esse recurso e só um de cada seis conta com redes de esgoto sanitário aceitáveis, indicam estudos do Conselho Mundial da Água, organizador do Fórum Mundial no México.

Banco Mundial alerta para risco de uma crise alimentar

O Banco Mundial exortou a que sejam duplicados os investimentos em irrigação em áreas rurais a $40 bilhões por ano, para incrementar a produtividade agrícola e ao mesmo tempo tornar mais eficiente o uso da água destinada à irrigação como forma de evitar uma potencial crise alimentar global nos próximos 20 anos.

Segundo o informe divulgado no IV Fórum Mundial da Água a demanda de alimentos duplicará em 2030 como conseqüência de que a população mundial crescerá o equivalente a mais 2 bilhões de habitantes. A pressão por mais alimentos chegará principalmente dos países em vias de desenvolvimento.

Segundo Kevin Cleaver, Diretor de Agricultura do Banco Mundial, “em torno de 60% dos alimentos necessários para captar a crescente demanda virão de áreas rurais irrigada. Ao mesmo tempo deveremos conseguir que a renda dos pequenos produtores aumente, é preciso atuar para reduzir a pobreza rural e proteger o meio ambiente. Tudo isso em um cenário de escassez de água

Durante os últimos 40 anos, a demanda por alimentos nos países em desenvolvimento triplicou enquanto a produção de cereais em áreas irrigadas quadruplicou para atender a essa demanda. A produtividade da água também teve um incremento. Com efeito, a água que se necessita para produzir alimentos para uma pessoa passou de 6 metros cúbicos a menos da metade. Mesmo assim, o informe sugere que haja empenho na melhora dessa produtividade sobretudo nas áreas onde há escassez hídrica.

O que fica evidente é que a gestão sustentável da água para a agricultura se revela uma encruzilhada das políticas públicas em matéria de recursos hídricos, agricultura, desenvolvimento rural e meio ambiente. Cada área pode contribuir decisivamente para o desenvolvimento e a melhoria da gestão agrícola.

O informe afirma que é necessário promover novos arranjos institucionais e investimentos que promovam a participação e a responsabilidade dos agricultores na tomada de decisões fortalecendo assim o desenvolvimento do empresariado rural. A ênfase conclua o informe deve estar na descentralização, viabilidade financeira e responsabilidade dos provedores de serviços hídricos, fortalecimento do poder dos consumidores de água para irrigação a partir de suas próprias organizações, assim como o uso de incentivos que reflitam os valores das respectivas sociedades junto a mecanismos inovadores para promover os investimentos privados.

Crise do saneamento é de governabilidade

A crise atual do saneamento é cada vez mais percebida como uma crise de governabilidade e não de escassez e requer uma urgente aliança entre todos os comprometidos com o desenvolvimento, disse Anna Tibaijuka, subsecretaria geral executiva do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN-Habitat).

Tibaijuka anunciou empréstimos e subsídios por US$ 579 milhões acordados, durante o IV Fórum Mundial da Água mediante um Memorando de Entendimento com o Banco Africano de Desenvolvimento. Tibaijuka anunciou que essa instituição, presidida por Donald Kaberuka, autorizou a disponibilização de US$ 217 milhões em subsídios e mais de US$ 362 milhões em créditos para investimentos em saneamento nos próximos cinco anos. O propósito é “beneficiar os mais pobres em cidades e povoados africanos nos próximos cinco anos”, comentou a funcionária da ONU.

Lamentou que neste momento a África Sub-saariana é a única região do mundo que está “perigosamente longe” de cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Informou, ainda, que 70% das pessoas mais pobres do mundo são mulheres e que são elas a última barreira para combater a miséria, especialmente na África. Segundo dados da ONU, um milhão de pessoas vivem em bairros miseráveis, carentes de privacidade, segurança, saneamento e dignidade. Tibaijuka estimou que até 2030 75% da população viverão em cidades. Disse que uma mãe africana manifesta sua determinação de “não entregar sua filha em casamento” com um homem que não possa lhe proporcionar serviço sanitário privado.

“De acordo com uma avaliação recente da UN-Habitat, em muitos bairros marginais 150 ou mais habitantes fazem fila diariamente em um sanitário público”. Além disso, um habitante de um bairro marginal de Nairobi ou Dar es Salaam, está obrigado a depender dos vendedores de água privados a quem paga “cinco a sete vezes mais por um litro de água que um cidadão da América do Norte”.

Loïc Fauchon, presidente do Conselho Mundial da Água, comentou que é necessário um maior financiamento. “O endividamento não tem funcionado até agora”, comentou. Necessitamos também de doações internacionais e de programas de investimentos para aplicar as tecnologias às necessidades dos países africanos.

Kordjé Bedoumra, Diretor de Instalações de Água da África, afirmou que os três desafios principais do continente Africano são: segurança da água, governabilidade do recurso e a gestão transfronteriça, já que na África 80 rios e 38 aqüíferos subterrâneos são compartilhados entre nações

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