
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu vista dos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1842. A ADI foi ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) contra leis que tratam da criação da região metropolitana e da microrregião dos Lagos no Estado do Rio (Lei Complementar 87/89) e sobre prestação de serviço de saneamento básico (Lei estadual 2869/97).
No início do julgamento, em abril de 2004, o relator da matéria, ministro Maurício Corrêa (aposentado), julgou prejudicada a ação quanto ao Decreto 24631/98, bem como em relação aos artigos 1º, 2º, 4º e 11 da Lei Complementar 87/89, ambos do Estado do Rio de Janeiro, por perda superveniente de seu objeto. À época, Corrêa alegou a edição de nova legislação sobre o assunto. Ao final, declarou a constitucionalidade dos demais dispositivos impugnados.
Maurício Corrêa argumentou que a lei complementar criadora da região metropolitana do Rio de Janeiro e da microrregião dos Lagos ocorreu pela via legislativa adequada, tendo sido assegurada a participação dos municípios nos Conselhos Deliberativos. No que se refere à questão do saneamento básico, disse que a matéria extrapola o interesse exclusivo dos municípios, justificando-se a atuação do estado-membro.
Na retomada do julgamento (08/03), o ministro Joaquim Barbosa, que havia pedido vista, proferiu voto em que discordou, parcialmente, do relator. Joaquim Barbosa sustentou que não deve haver confronto entre o estabelecimento de regiões metropolitanas e a autonomia municipal. Ele afirmou que as normas impugnadas transferem direta ou indiretamente competências tipicamente locais para o estado em conseqüência da criação de uma região metropolitana, o que não é compatível, segundo ele, com a ordem constitucional vigente.
Assim como o relator, Barbosa julgou prejudicada a ação no que se refere ao Decreto 24.631/98 e aos artigos 1º, parágrafos 1º e 2º; artigo 4º, caput e incisos I a VII, e artigo 11, caput e incisos I a VI da LC 87/97.
O ministro Nelson Jobim votou em seguida, acompanhando integralmente o entendimento do ministro Joaquim Barbosa. O presidente discorreu sobre os fundamentos da Região Metropolitana e sobre a prestação dos serviços de saneamento básico. “A questão exige do Supremo, mais do que tudo, sensibilidade política, econômica e social para uma solução que seja constitucionalmente aceitável e que não inviabilize por completo o setor e prejudique o cidadão – usuário do serviço”, destacou o Presidente. Segundo o ministro, o maior problema, partindo-se da premissa da titularidade municipal ou intermunicipal, é dar solução às relações que se estabeleceram, nos últimos anos, entre municípios e companhias estaduais de saneamento.
Inicial
O relator inicial da matéria, ministro Maurício Corrêa, que havia proferido seu voto antes dos pedidos de vistas que foram adiando sucessivamente o jugamento das ações salientou que, no julgamento da ADI 1841, o Supremo decidiu que a “instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamento de municípios limítrofes, depende, apenas, de lei complementar estadual”. “Assim sendo, patenteia-se que a Constituição Federal tem por objetivo possibilitar ao Estado-membro, por meio de seus representantes, a união de municípios territorialmente próximos e que por essa razão tenham interesses e problemas comuns, de modo que possam encontrar soluções mais eficazes e que melhor atendam à coletividade da região, e não apenas de cada um dos municípios isoladamente” .
Segundo ele, “a forma de repartição constitucional de competências visa exatamente essa atuação conjunta e integrada, que, no caso dos Estados e municípios, consideradas as peculiaridades regionais de cada um, pode ser redimensionada segundo autoriza o parágrafo 3º do artigo 25 da Carta de 1988”.
Para ele, a crescente demanda por serviços públicos não permite que as autoridades executivas, isoladamente, atendam às necessidades da sociedade. Daí a necessidade de “uma ação conjunta e unificada dos entes envolvidos, especialmente da unidade federada, a quem incumbe a coordenação, até porque o número de habitantes de cada município desses conglomerados compõe a própria população do Estado-membro”, acredita.
Segundo Maurício Corrêa, “a previsão constitucional permite, na realidade, a configuração de uma espécie de instância híbrida na organização estatal brasileira, situada na convergência entre as atribuições do Estado e as de seus respectivos municípios”. No caso, o Estado assume a responsabilidade pela adequada prestação dos serviços metropolitanos, com a participação ativa dos municípios enquanto membros dos Conselhos Deliberativos e co-autores do Plano Diretor.
Após essas considerações, Maurício Corrêa julgou “improcedentes os vícios de inconstitucionalidade invocados pelos requerentes”. Informou, ainda, que a criação da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e da Microrregião dos Lagos ocorreu pela via legislativa exigida pela Constituição Federal, consubstanciada em lei complementar estadual.
ADI 2077
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2077 da Bahia, que trata da mesma questão, votou o ministro Eros Grau, que acompanhou o relator, o ministro aposentado Ilmar Galvão. Também votaram no mesmo sentido os ministro Nelson Jobim e Joaquim Barbosa. O ministro Gilmar Mendes pediu vista.
Essa ADI foi ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) contra a Assembléia Legislativa da Bahia. A ação questiona se dispositivos da Constituição baiana alterados pela Emenda Estadual Constitucional 7/99 são inconstitucionais por usurparem competência da União para legislar sobre diretrizes dos serviços de água e saneamento, e por ofenderem os princípios da autonomia municipal e da proporcionalidade. O PT questiona também se os serviços de água e saneamento podem ser prestados por ente privado por meio de outorga.
O voto do relator, o ministro aposentado Ilmar Galvão, foi no sentido de suspender, no inciso V do art. 59 da Constituição do Estado da Bahia, a expressão “assim considerados aqueles cuja execução tenha início e conclusão no seu limite territorial, e que seja realizado, quando for o caso, exclusivamente com seus recursos naturais”. O ministro suspendeu também o caput do art. 228 da mesma Constituição, na redação dada pela EC 7/99.
Ao votar, o ministro Eros Grau lembrou que a Constituição Federal atribui ao município a organização e prestação dos serviços públicos de interesse local, diretamente ou sob regime de concessão (art. 30, V).
No entanto, salientou Grau, o fenômeno da urbanização, ao dar lugar ao aparecimento de serviços que atendem a mais de um interesse predominantemente local, “afeta de modo marcante algumas das concepções e categorias de que lançamos mão para descrever o funcionamento do sistema de distribuição de competências em nosso modelo federativo”.
O ministro disse ainda que o parágrafo 3º do artigo 25 do texto constitucional não transfere aos Estados a competência municipal relativa à prestação dos serviços comuns a vários municípios, apenas refere a instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões tendo em vista a integração da organização, do planejamento e da execução de serviços comuns.
Essa norma, disse o ministro, é o modelo de “como as coisas devem ser” relativamente à competência para a organização e prestação dos serviços públicos metropolitanos. “Por isso mesmo essa atuação, no sentido de prover aquela integração, não compromete a integridade das competências constitucionalmente atribuídas aos municípios”, afirmou.
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