Debate sobre saneamento divide especialistas

Dirigentes de entidades, empresários, parlamentares e representantes governamentais mostraram divergências em relação ao tipo de regulação para o setor de saneamento no Brasil. O debate foi centralizado no Projeto de Lei 5296/05, do Poder Executivo, que institui a Política Nacional de Saneamento Básico (PNS).

O presidente da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), Vitor Fernando Bertini, disse que o grande problema do saneamento brasileiro é a falta de recursos. A Aesbe, segundo Bertini, defende a regulação por meio de agências regionais, “sem prejuízo das municipais que possam se estruturar”. O representante da entidade, porém, criticou o que considera excesso de detalhes no projeto do governo, característica que, acredita, poderá gerar impasses jurídicos. Assim, Bertini é partidário que a proposta apresente “diretrizes gerais”.

O dirigente defende que seja levada em conta a diversidade que marca a realidade brasileira. “Sempre que a gente desconsiderar a diversidade do País, vamos nos aproximar de um impasse. O respeito às diferenças físicas e socioculturais dos estados tem de ser lembrado”, sublinhou Bertini.”Há um pequeno grupo de empresas responsável por 70% do saneamento brasileiro. É importante respeitar o que foi construído durante 40 anos e lembrar que há no País um grupo de especialistas no assunto. Não se pode desmontar essa estrutura de uma hora para outra”, enfatizou Vitor Bertini.

Os representantes de governos estaduais no seminário criticaram o projeto do governo que, segundo eles, não atende às necessidades de estados e municípios. Segundo a representante da Companhia de Saneamento de Minas Gerais, Cassilda Teixeira de Carvalho, a proposta foi elaborada sem a participação das unidades da Federação. “Além disso, é um grave equívoco a proposta do Executivo incluir na mesma lei serviços tão diferentes como tratamento de água, esgotos, drenagem e coleta de resíduos sólidos.”

O representante do Fórum Nacional dos Urbanitários, Edson da Silva, concordou com Cassilda e acrescentou que o projeto faz confusão entre planejamento, regulação e operação dos serviços de saneamento.

O presidente da Companhia de Saneamento do Espírito Santo, Paulo Ruy Valim Carnelly, reivindicou mais recursos da União para os serviços de saneamento dos estados e municípios. “Não basta a União criar novas regras e exigir cada vez mais das unidades da Federação”, afirmou.

Também em defesa de mais recursos para o setor, a secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano do estado do Rio de Janeiro, Ângela Nóbrega Fonti, citou como exemplo da falta de verbas federais o programa de saneamento das bacias hidrográficas do Rio de Janeiro, que conta exclusivamente com recursos estaduais. “A União também precisa contribuir”, defendeu.

Menos impostos

Já o diretor da Companhia de Saneamento do Paraná, Paulo César Furiati, alertou para a possibilidade de que a nova política de saneamento do governo seja inviabilizada pela elevada carga tributária incidente sobre a área. Ele defendeu a redução de impostos para as empresas concessionárias desses serviços, que estariam pagando R$ 1,5 bilhão de tributos ao ano. “Se o governo pretende realmente priorizar saneamento, é necessário reduzir a carga tributária do setor e aumentar os investimentos públicos.”

Cassilda Teixeira de Carvalho acrescentou que a chamada MP do Bem, anunciada pelo governo como solução para desonerar o setor produtivo, não contemplou a área de saneamento básico. “Até ração para cavalo e pedras preciosas tiveram os impostos reduzidos”, enfatizou. Durante o Governo Lula, segundo ela, as contribuições relativas a PIS e Cofins sobre o setor tiveram seus valores dobrados, “o que onera mais ainda as empresas concessionárias”.

Fonte: Agência Câmara

Cobertura

O analista de Planejamento do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Gustavo Teixeira citou o percentual de cobertura do saneamento no País: esgoto, 54,4%; água, 95,1%; coleta e tratamento de lixo, 91,1%; e manejo de águas pluviais (drenagem), 69,4%. Teixeira disse que, para melhorar essa situação, é preciso diminuir a inadimplência das companhias estaduais de saneamento, coibir as ligações clandestinas, aumentar as tarifas e desonerar PIS e Cofins.

Essa medida foi defendida também pelo presidente da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), Mário Amaro da Silveira, para quem os dois maiores entraves ao setor são a ausência do marco regulatório e de uma política nacional de saneamento, e a dificuldade de acesso a recursos.

A Abcon apresentou sugestões de mudanças no projeto do governo. Além da utilização acelerada dos créditos de PIS e Cofins, Silveira é também favorável ao retorno da alíquota de ambos os tributos a 3,65%. “Não parece razoável desonerar outros setores, como a telefonia, a energia elétrica e o transporte de passageiros, e não conceder o mesmo tratamento ao saneamento”, afirmou.

Fonte: Agência Câmara

Modelo centralizador

O deputado Zezéu Ribeiro (PT-BA), que integra a comissão especial sobre saneamento, disse não ter entendido as críticas feitas pelo diretor da Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp), Dalmo do Valle Nogueira Filho, ao PL 5296/05, do Executivo, que institui a Política Nacional de Saneamento Básico (PNS).

Na avaliação do deputado, o projeto não restringe os financiamentos privados. Zezéu reconheceu, no entanto, que o projeto fixa diretrizes em um número maior do que seria necessário. “Acho que o projeto ficou muito extenso e ele precisa ser enxugado, mas cumpre a determinação de se constituir em um marco regulatório com a capacidade de absorver a diversidade das experiências”, disse Zezéu.

O presidente da Sabesp afirmara que o projeto prevê um modelo único e centralizador, sem dar liberdade para os estados se organizarem. “Critica-se muito o Fundo Monetário Internacional por ser centralizador, mas tentam fazer o mesmo na área de saneamento”, disse.

Nogueira Filho destacou que a companhia vem buscando financiamentos privados desde 1995. Ele disse que, apesar de mais caros, esses financiamentos saem mais rapidamente – dois meses – contra cinco anos do financiamento público.

O representante da Sabesp lembrou ainda que, além desse ponto, há mais de 50 itens para rebater no projeto, mas não seria possível fazer o relato durante o evento. O deputado José Carlos Machado (PFL-SE) sugeriu a realização de uma audiência pública para debater o tema.

Fonte: Agência Câmara

Cultura da regulação

O presidente da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), Silvano Silvério da Costa, destacou a atual ausência de instrumentos legais e normativos para a regulação, o que, no seu entender, impede uma melhor defesa do direito do consumidor.

O especialista criticou ainda a falta de uma “cultura da regulação” por parte dos prestadores de serviços.

A deputada Teté Bezerra (PMDB-MT), que coordenava o debate, ressaltou a importância da análise, pela Câmara, de projetos que tragam soluções para o saneamento. “Hoje, menos de 40% dos nossos municípios têm saneamento básico, o que demonstra ser esta uma questão que precisamos ampliar”, afirmou, ao destacar os problemas da falta de água tratada e da destinação aos resíduos sólidos. “Os nossos lixões estão aí, a céu aberto, em todas as cidades do nosso País”, exemplificou.

O secretário nacional de Saneamento Ambiental, Abelardo de Oliveira Filho, informou que, entre janeiro de 2003 e julho de 2005, foram comprometidos R$ 6,2 bilhões com investimentos na área de saneamento, incluindo recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Orçamento. Ele ressaltou, no entanto, que foram desembolsados efetivamente apenas R$ 2,2 bilhões.

O estado que mais recebeu recursos, segundo Oliveira Filho, foi Minas Gerais (10,16% do total desembolsado), e o que menos recebeu foi o Amapá (0,35%). Entre os recursos do Orçamento, 48% foram para a região Nordeste. Com relação ao FGTS e BNDES, a maior parte foi para a região Sudeste.

O secretário destacou que os deputados precisam discutir melhor as emendas ao Orçamento para a área de saneamento. Ele lembrou que, algumas vezes, os parlamentares apresentam emendas com valor insuficiente para executar a obra inteira.

Fonte: Agência Câmara

Jurista defende pacto

O jurista Marcos Villela Souto, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), defendeu um pacto federativo no setor como solução para os conflitos de competência na gestão dos serviços. A proposta foi feita no seminário “Competências Constitucionais”, promovido pela comissão encarregada de apresentar parecer sobre o Projeto de Lei 1144/03, da deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), que institui a Política Nacional de Saneamento Ambiental. Essa proposta tramita em conjunto com o PL 5296/05, do Poder Executivo.

Os professores Dalmo Dalari e Floriano Marques Neto, da Universidade de São Paulo (USP), afirmaram que o maior desafio da nova legislação sobre o assunto é harmonizar as competências da União, estados e municípios. Para Marques Neto, é essencial encontrar mecanismos que garantam o compartilhamento de responsabilidades entre os entes federativos. Já Dalari disse que não basta discutir o marco regulatório, “se milhares de pessoas ainda morrem no Brasil em decorrência da carência de serviços de tratamento de água e esgoto”.

Fonte: Agência Câmara

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