A ameaça dos transgênicos

Foto: Carlos Stein-Ecoagência

“Não importa como as sementes modificadas entram nos campos de um fazendeiro. Elas se tornam propriedade da Monsanto”, lamenta Percy Schmeiser, fazendeiro de origem européia, que desde 1947, cultiva canola e trigo no oeste do Canadá. Schmeiser testemunhou na sexta-feira, 24, à tarde, durante o 3º Fórum Social Mundial, para uma platéia de mais de 500 pessoas, que o aplaudiram em pé.

Ele é um dos muitos fazendeiros canadenses processados pela multinacional Monsanto, por ter tido sua lavoura contaminada por genes transgênicos, polinizados de cultivos vizinhos. Tudo começou em 1998, quando Percy Schmeiser foi processado pela Monsanto, que alegava violação à lei de patentes da empresa, que é proprietária de sementes geneticamente modificadas.

“Foi uma total surpresa. Nunca usei sementes modificadas em 50 anos de trabalho e nem encontrei qualquer representante da Monsanto”. Mas a existência de sementes modificadas foi detectada nas terras de Schmeiser, oriundas de uma plantação vizinha.

No Canadá, uma lei federal declara o direito dos fazendeiros de usar uma semente de um ano para o outro. “Para o juiz que julgou meu processo, a lei de patentes da Monsanto está acima de todos os direitos e privilégios de fazendeiros”. E continuou: “Todas as minhas sementes se tornaram propriedade da Monsanto e não importa o grau de contaminação ou se ela ocorre por polinização, pelos ventos, pássaros ou pelas abelhas… Para o fazendeiro que sofreu essa contaminação, isso significa um controle total do suprimento de sementes e de alimentos no mundo.

Durante o processo da Monsanto contra Schmeiser, ocorreu o que ele considera um avanço. Em dezembro passado, a Corte Suprema do Canadá decidiu proibir patentear formas superiores de vida. Ele explica que forma de vida superior é de uma semente ou de uma planta, e uma forma de vida inferior é a das bactérias e fermentos. Depois dessa emenda favorável ao caso de Percy Schmeiser, seu processo deve ser concluído em março ou abril deste ano.

O objetivo do testemunho de Percy Schmeiser no Fórum Social Mundial foi alertar os agricultores da América do Sul e Central, contra o assédio da Monsanto. Para difundir sua tecnologia genética, a multinacional promete tornar as sementes mais nutritivas e aumentar a colheita. A promessa de que os agricultores usariam menos insumos químicos seduziu os fazendeiros no Canadá, que desde 1940 utilizavam muitas toneladas de agrotóxicos, contaminando a terra e a água.

A ilusão de 1996 durou pouco. Em dois ou três anos, os fazendeiros canadenses descobriram que as sementes modificadas de canola e de soja não dão boa colheita. “A produtividade da semente modificada está 15% abaixo da semente convencional”. Além disso, a qualidade dos grãos, jamais citada nos anúncios e publicidade, cai mais ou menos pela metade.

Schmeiser alerta que os fazendeiros canadenses “estão usando pelo menos cinco vezes mais insumos químicos do que antes”. Isso porque a canola desenvolveu uma super-erva, “tomando” os genes de outras três ou quatro companhias que, como a Monsanto, vendem sementes modificadas. “Esses genes estão agora na mesma planta e é preciso três ou quatro químicos muito poderosos para matar essa nova super-erva”, que, segundo Schmeiser, se espalhou em todas as lavouras de canola no oeste do Canadá.

A empresa monitora regiões ou lavouras que podem conter sementes contrabandeadas ou “ilegais”, lançando seus herbicidas sobre fazendas suspeitas e 10 dias depois, conferindo o uso de OGMs desenvolvidos pela Monsanto. Ou seja, se a plantação morrer é porque não usavam sementes da Monsanto, mas se a lavoura for adiante, aí é porque usavam essas sementes.

Uma outra cláusula do contrato com a Monsanto se refere à comercialização. “Não podemos mais vender a produção para a União Européia. A gente pode só mandar para Japão, México e EUA”, diz, ao reforçar que “os custos de produção aumentaram muito e os preços pagos caíram pela metade. Temos também muitos processos nos Tribunais, dos fazendeiros contra a Monsanto e da Monsanto contra os fazendeiros”.

Vim para dizer o que aconteceu conosco no Canadá, com os fazendeiros”, destaca Schmeiser, ao afirmar que “nossa opção acabou. Não deixe isso acontecer com vocês. Em 1996, nós, como fazendeiros do Canadá, não tínhamos ninguém para nos dizer o que ia acontecer. Vocês têm esse benefício e vão decidir o que vai ser feito no Brasil. Nós ouvimos as companhias e agora estamos pagando esse preço”.

“Tenho 72 anos e minha esposa, 71. Temos quatro filhos e quatro netos. Estamos lutando contra a perda dos nossos direitos como fazendeiros e não queremos deixar veneno como herança. Queremos deixar uma herança sem venenos. É por isso que estamos aqui hoje, no Brasil. Não sabemos quantos anos ainda temos de vida, mas nos anos em que vivermos, vamos continuar lutando contra a Monsanto”, conclui.

Adriane Bertoglio Rodrigues – adriane@ecoagencia.com.br – © EcoAgência de Notícias, janeiro 2003 – http://www.ecoagencia.com.br.

Alerta

Segundo o depoimento, a introdução de sementes modificadas no solo canadense destruiu, não só as sementes puras, mas a biodiversidade. “Não temos mais sementes de canola que não estejam contaminadas. É tudo OGMs.

“Se você permitir, não poderá mais conter as sementes modificadas. Elas se movem através dos ventos, dos pássaros e da polinização cruzada. Isso vale para as áreas de testes ou “faixa tampão”. Você não pode contê-las”, diz Schmeiser, que alerta: “Se você introduzir sementes modificadas em qualquer parte do Brasil ou em qualquer outro país, vai destruir as fazendas orgânicas e os fazendeiros convencionais. É impossível ter as duas coisas, porque os genes das sementes modificadas são dominantes e controlam qualquer semente ou planta na qual eles “entram”.”

Soberania energética

O Fórum Social Mundial tornou-se um território livre, onde todos tiveram direito a mostrar suas lutas e reivindicações. O grupo Oilwatch, criado por organizações da América Latina, África e Ásia, que se opõem à utilização de petróleo, ocupou um espaço no saguão do prédio 40 da PUC para espalhar dezenas de cartazes mostrando as tragédias causadas por grandes derramamentos de óleos em diversas partes do mundo e defendendo a soberania energética.

A atual coordenadora da secretaria do Oilwatch, a equatoriana Esperança Martins, afirma que todos os acidentes são causados por empresas multinacionais, que não respeitam leis de países. “Essas empresas são totalmente irresponsáveis, pois acabam causando tragédias que trazem imensos prejuízos econômicos e ambientais aos países atingidos, privando muitas vezes grandes legiões de pescadores do seu ganha pão diário”, salienta. Essa empresas, continua ela, atuam junto à Organização das Nações Unidas (ONU) falando em desenvolvimento sustentável, mas também junto aos Estados Unidos negociando a guerra.

O principal objetivo do Oilwatch, que já existe há seis anos, é chamar a atenção do mundo para os riscos que o petróleo causa, tanto quando ocorre um acidente no mar, como em relação ao aquecimento climático. “Nós queremos uma política energética que seja democrática e não comandada pelos monopólios”, destaca Esperança Martins. Segundo ela há várias formas de energia possíveis de serem utilizadas em larga escala, como a eólica, solar, biomassa. Mas de nada adianta utilizar uma energia renovável se ela for controlada por um monopólio. “Defendemos que a soberania energética seja efetivamente democrática, sem a inteferência dos monopólios”, conclui.

Jornalista Juarez Tosi (NEJ/RS) – juarez@ecoagencia.com.br © EcoAgência de Notícias, janeiro 2003 – http://www.ecoagencia.com.br .

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